por José Carlos Ary dos Santos
Minha querida Amália:
Pediram-me para escrever um artigo e decidi escrever-lhe uma carta. Dezanove anos atrasada. Mas tão funda, tão verdadeira, tão sincera, como se tivesse sido escrita na altura.
Venho agradecer-lhe. Em primeiro lugar, ser quem é: uma espécie de rouxinol da noite que primeiro, quase a medo, ensaia a voz torturada por sabe-se lá que fado e depois, pouco a pouco, a desdobra em toalhas de estrelas que nos iluminam por dentro. Desculpe-me as imagens literárias. Bem sei da sua simplicidade; da sua enternecedora timidez: “Faz-me impressão”, diz no princípio deste disco. Fez impressão. Amália! A partir do Café Luso, do corrido, do bacalhau, do meia-noite, do menor, fez impressão a todos. Impressionou Portugal. Impressionou a França. Impressionou o mundo. Acima de tudo, impressionou o seu povo, o nosso povo. Muito obrigado, Minha Senhora.
Nossa Senhora. Nossa Senhora de Lisboa.
Quero agradecer-lhe, depois, cantar tão bem. A partir deste disco-documento, seja qual fora a data, seja qual fora a idade, seja qual for o tempo. Muito obrigado, Minha Senhora. Nossa Senhora. Nossa Senhora da Verdade.
Agradeça, por mim, ao Filipe Pinto o tê-la anunciado. Ao Camarinha e ao Santos Moreira o terem-na acompanhado. E dê um abraço grande aos poetas, nossos amigos: de saudade para o Linhares Barbosa, para o Vieira Pinto, para o Silva Tavares; de camaradagem para o Mourão-Ferreira, para o Sousa Freitas, para o Leonel Neves.
É tudo, Amália. Desculpe-me o tempo – tanto tempo! – que lhe tomei.
Ao ouvir este disco sinto orgulho em dizer-lhe que sou seu amigo há dezanove anos.
do disco Amália no Café Luso, 1976
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