quinta-feira, 12 de novembro de 2020

La Strada (1954) de Federico Fellini



por André Miranda

Federico Fellini tem apenas seis anos quando vê Maciste All’Inferno, um filme acusado de blasfémia e repleto de humor bizarro, que nunca mais abandona o seu subconsciente: “Estou certo que o lembro perfeitamente, porque as suas imagens impressionaram-me tanto que tento invocá-lo em todos os meus filmes. Vi-o de pé, envolvido pelos braços do meu pai, rodeado por pessoas com os sobretudos molhados. Lembro-me da barriga nua duma mulher, o umbigo, os olhos negros maquilhados, ardentes. Com um movimento imperioso do braço criou um círculo de chamas à volta de Maciste, também ele seminu, segurando uma pomba na mão.” Assim como estas imagens não o abandonam, também não o deixa a memória da cidade natal, Rimini, onde nasceu a 20 de Janeiro de 1920. 

Se o desejo dos pais tivesse sido cumprido, Fellini, quando aos dezanove anos vai para Roma, ter-se-ia formado em direito. Mas ele tinha outros planos, e nunca os seus pés tocam na universidade. É jornalista por breves momentos, desenha cartoons, vende piadas e escreve para revistas. E durante esta vagabundagem encontra Giulietta Masina, protagonista de uma série radiofónica para a qual Fellini escreve. Os dois casam-se em 1943 e só se separam 50 anos depois, com a morte do realizador. 

“Ele foi como o polícia de trânsito que me ajuda a atravessar a estrada.” Foi assim que Fellini resumiu a relação com Roberto Rosselini, com quem colaborou pela primeira vez em Roma, Cidade Aberta, obra marcante do neo-realismo. Os dois continuam a parceria com Paisà e As Flores de São Francisco. Respeitado, Fellini tem anos prolíficos e os seus argumentos são procurados pelos mais variados autores italianos. Mas esta ainda não é a sua vocação. Só em 1950 realiza o seu primeiro filme, Luci del Varietà. Quatro anos depois oferece ao mundo A Estrada, filme que hoje apresentamos. 
 
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É uma Itália mísera e pobre, de casas arruinadas e caminhos esburacados, aquela que Gelsomina e Zampanò habitam em constante viagem, levando, de terra em terra, um espetáculo circense. Uma existência cruel para a alma sensível e diferente de Gelsomina. Os seus olhos grandes e belos, dominados pela força bruta de Zampanò, habituam-se à dor e às lágrimas. Aceita o destino que lhe cabe e recusa todas as possibilidades de fuga. Tem a companhia do tambor e do trompete. Aqui e ali um pouco de felicidade. Mas o que Gelsomina apenas deseja é colocar as sementes de tomate num pedaço de terra que seja seu. 

Por isso, pedimos-te, Zampanò: olha para dentro de ti, admite o afeto que sentes por Gelsomina; não percebes o quanto precisas dela? Limpa-lhe as lágrimas do rosto, abraça-a. Talvez um dia seja tarde demais. Então compreenderás o quão cruel foste. E, chegado esse dia, o que farás ao teu amor? Deixar-te-ás cair na praia?

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