quinta-feira, 10 de março de 2022

Gûzen to sôzô (2021) de Ryûsuke Hamaguchi



por Alexandra Barros

O efeito borboleta foi uma metáfora utilizada pelo meteorologista Edward Lorenz, para explicar a impossibilidade de prever fenómenos atmosféricos para além dos dias mais próximos. A imagem do bater de asas de uma borboleta como origem de um tornado no outro lado do mundo serviu para ilustrar a descoberta que levaria à formulação da Teoria do Caos. Variações pequeníssimas, e aparentemente insignificantes, nas condições iniciais, geram cadeias de acontecimentos muito diversas entre si, tornando impossível prever o comportamento de sistemas dinâmicos. 

Roda da Fortuna e da Fantasia é o efeito borboleta de Ryûsuke Hamaguchi para ilustrar a imprevisibilidade das relações afectivas. Reúne três histórias de (des)amores, que afinal são quatro. Logo no primeiro conto, um duplo final mostra que, para estas histórias serem completamente diferentes, bastaria introduzir pequenas alterações na corrente de acontecimentos. 

Tsugumi conta a Meiko um encontro com um rapaz por quem se apaixonou e por quem supõe ser correspondida. Meiko percebe tratar-se de Kasuaki, um ex-namorado que ela traiu, provocando o fim da relação. Meiko nada revela à amiga acerca desta coincidência inusitada. Decide no entanto visitar Kasuaki para perceber o que sente(m). Fica claro que ainda se amam apesar dos dois anos de separação. Kasuaki não consegue decidir com quem quer ficar, Meiko não consegue decidir se quer ficar com Kasuaki. O que impede duas pessoas que se amam de se amarem? 

Um encontro fortuito de Kasuaki com as duas amigas acaba de forma desastrosa para todos, quando Meiko reagindo de forma impulsiva à reunião inesperada do triângulo amoroso, faz um ultimato a Kasuaki. Ou então não. Afinal Meiko toma outra decisão e o final é um agridoce happy end

Na segunda história, uma aluna, Nao, tenta seduzir o professor Segawa a pedido de Sasaki, um colega com quem mantém uma relação extraconjugal. Movido por um desejo de vingança, suscitado por uma suposta injustiça, Sasaki pretende envolver Segawa num escândalo sexual. Mas Nao, intrigada com a indiferença do professor face à tentativa de sedução, acaba por revelar as suas intenções. 

Cartas postas na mesa, começam as autênticas seduções e Nao e o professor chegam a um feliz entendimento secreto. Todavia os segredos e as mentiras têm perna curta, de acordo com a sabedoria popular. Num momento de grande tensão, Nao distrai-se e comete um erro que torna o envolvimento público. Esses breves segundos têm consequências desastrosas para os dois. 

Na terceira história, duas mulheres encontram-se na rua e julgam reconhecer-se. Afinal, nenhuma é quem a outra julga ser. Há no entanto uma simpatia e compreensão mútua tão natural que, logo nesse primeiro encontro, uma relação profunda nasce entre as duas. Confessam pesos de consciência e exorcizam acontecimentos do passado. Finalmente um final gracioso e ternurento. O tríptico fecha assim em contraponto às angustiantes reviravoltas ditadas pelas ocorrências improváveis e imprevisíveis das primeiras histórias. Os acasos também podem ser felizes. 

Na complexa teia das relações humanas, amores e solidões dependem tanto ou mais de acontecimentos fortuitos do que dos próprios sentimentos. Erros e mal-entendidos conduzem ao afastamento de quem melhor estaria acompanhado do que só. Coincidências, actos falhados, acasos ditam os nós que se desfazem e os laços que se atam. Este universo tem semelhanças com o de Hong Sang-soo[1] , além do mais pelos seus duplos, trocas de lugar e substitutos, triângulos amorosos, segundas oportunidades, destinos ditados não se sabe bem pelo quê. 

Einstein terá afirmado que Deus não joga aos dados. Desta forma expressava a sua rejeição do indeterminismo e incerteza inerentes às leis da física quântica que regem o mundo subatómico. Ryûsuke Hamaguchi, por sua vez, parece querer dizer-nos que o indeterminismo e a incerteza são as forças motrizes das interacções humanas, que a natureza dessas ligações é indecifrável e que o respectivo sucesso ou fracasso é ditado por uma roda da fortuna e fantasia. 

[1] Realizador sul-coreano a quem o Lucky Star já dedicou um ciclo (Mulher na Praia, O Filme de Oki, O Dia Em Que Ele Chega, O Dia Seguinte, A Mulher Que Fugiu)

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