quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Cross of Iron (1977) de Sam Peckinpah



por André Miranda

O inimigo capturado pelo esquadrão de reconhecimento não é um qualquer soldado: é uma criança. Igual àquelas que, num último estertor de condenado, com a mão trémula, Hitler ordenou que defendessem Berlim até à morte. A guerra é um beco sem saída, fim último e inexorável do fascismo. O bacilo que lânguido e sub-reptício voga por entre as pessoas de bem, esses que supostamente urgem pela pátria e o reerguer da grandeza olvidada. Rebanho que aguarda o pastor hábil e feroz, a flama que faça o bacilo recrudescer. 

É bem dentro do território soviético que o sargento Steiner comanda o seu grupo em operações de reconhecimento da Wehrmacht. Um oficial que odeia oficiais; que odeia os homens do partido. Rege-se por outras regras que não as deles. Possui um olhar de têmpera imperturbável, uma envergadura impávida ao ribombar ininterrupto das bombas e um sorriso que só se abre quando está entre os seus. 

O que tropeça e conspurca a farda impoluta é o capitão Stransky. Aristocrata prussiano da mais pura linhagem, nasceu com a glória militar desenhada nos astros pelo sangue azul correndo-lhe nas veias. Almeja, apenas e só, uma cruz de ferro ornamentando-lhe o peito. Não é em Paris que a vai alcançar, onde o único risco em que incorre é humilhar-se desajeitado numa dança complicada. Por isso a frente oriental. Mas depressa o objetivo esboroa-se quando, pusilânime, berra, “estou ferido”, e apenas umas gotas liliputianas lhe escorrem da testa. 

Entre estes duas personagens, entre estes dois opostos, traça-se a derrota da Alemanha nazi, essa derrota já sem espaço para retiradas estratégicas e forçada a fugas vexantes. Resta a gargalhada de Steiner perante a inépcia de Stransky, o aristocrata predestinado que não sabe como recarregar a metralhadora, enquanto sobre eles desce o caos das explosões e o contínuo tiroteio. Eis, então, a guerra em todo o seu esplendor. O bacilo resplandecendo na sua volúpia pela morte.



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