por André Miranda
O inimigo capturado pelo esquadrão de reconhecimento não é um qualquer
soldado: é uma criança. Igual àquelas que, num último estertor de condenado,
com a mão trémula, Hitler ordenou que defendessem Berlim até à morte. A
guerra é um beco sem saída, fim último e inexorável do fascismo. O bacilo que
lânguido e sub-reptício voga por entre as pessoas de bem, esses que
supostamente urgem pela pátria e o reerguer da grandeza olvidada. Rebanho
que aguarda o pastor hábil e feroz, a flama que faça o bacilo recrudescer.
É bem dentro do território soviético que o sargento Steiner comanda o seu
grupo em operações de reconhecimento da Wehrmacht. Um oficial que odeia
oficiais; que odeia os homens do partido. Rege-se por outras regras que não as
deles. Possui um olhar de têmpera imperturbável, uma envergadura impávida
ao ribombar ininterrupto das bombas e um sorriso que só se abre quando está
entre os seus.
O que tropeça e conspurca a farda impoluta é o capitão Stransky. Aristocrata
prussiano da mais pura linhagem, nasceu com a glória militar desenhada nos
astros pelo sangue azul correndo-lhe nas veias. Almeja, apenas e só, uma cruz
de ferro ornamentando-lhe o peito. Não é em Paris que a vai alcançar, onde o
único risco em que incorre é humilhar-se desajeitado numa dança complicada.
Por isso a frente oriental. Mas depressa o objetivo esboroa-se quando,
pusilânime, berra, “estou ferido”, e apenas umas gotas liliputianas lhe escorrem
da testa.
Entre estes duas personagens, entre estes dois opostos, traça-se a derrota da
Alemanha nazi, essa derrota já sem espaço para retiradas estratégicas e
forçada a fugas vexantes. Resta a gargalhada de Steiner perante a inépcia de
Stransky, o aristocrata predestinado que não sabe como recarregar a
metralhadora, enquanto sobre eles desce o caos das explosões e o contínuo
tiroteio. Eis, então, a guerra em todo o seu esplendor. O bacilo resplandecendo
na sua volúpia pela morte.
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