quinta-feira, 15 de setembro de 2022

This Land is Mine (1943) de Jean Renoir



por António Cruz Mendes

Jean Renoir viveu exilado nos EUA durante os anos da ocupação da França pelos nazis e os filmes que aí realizou não foram particularmente favorecidos pela crítica que, como diz Filipe Furtado (Contracampo, Revista de Cinema), na apreciação da sua obra, tem preferido “saltar” de A Regra do Jogo (1939) para O Rio Sagrado (1951). Porém, Esta Terra é Minha (1943), foi um dos mais notáveis e populares filmes de propaganda política e ideológica produzidos nessa época de mobilização para a guerra contra o nazismo. 

Às imagens iniciais, subjaz uma amarga e irónica mensagem. Num grande plano, vemos um monumento erguido em homenagem aos soldados mortos na 1ª Guerra Mundial. No seu pedestal, uma inscrição: “À memória dos que morreram para trazer a paz ao mundo”. No chão, no cabeçalho de um jornal abandonado, pode ler-se “Hitler invade”. No discurso dos seus promotores, a guerra iniciada em 1914 era “uma guerra para acabar com as guerras”. Muitos discordaram disso e, para todos os efeitos, os planos seguintes revelam o fracasso desse alegado propósito. Tropas e carros militares ocupam o centro de uma povoação, o seu comandante dirige-se à Câmara onde o esperam as autoridades locais. O Presidente, depois de uma ligeira hesitação, com um tímido sorriso, aperta-lhe a mão. E a bandeira nazi é hasteada na fachada da sede do município. 

Como se vive numa terra ocupada por um exército invasor? A reposta poder-nos-ia- remeter para uma descrição naturalista do quotidiano dos habitantes daquela anónima povoação. As primeiras cenas parecem apontar nesse sentido, mas não era essa a opção de Jean Renoir e, rapidamente, o filme passa a focar-se nos dilemas morais que se vão colocar a um conjunto de personagens exemplares: Colaborar, procurando retirar o melhor proveito pessoal da situação existente? Adaptar-se, valorizando, acima de tudo, a segurança pessoal? Ou resistir, arriscando nisso a própria vida? Ao contrário de outros “filmes de guerra” então produzidos, centrados no combate dos exércitos aliados contra os nazis, o filme de Renoir fala-nos sobretudo da guerra interior que se trava na consciência das suas personagens. 

Manville, o Presidente da Câmara, Georges Lambert e os irmãos Martin, Louise e Paul, são as personagens-tipo que corporizam cada uma daquelas três opções. Tudo decorre num país não especificado, o que se compreende porque em qualquer parte do mundo, perante uma situação semelhante, haverá pessoas assim. E, como se diz numa passagem famosa de outro filme de Renoir, A Regra do Jogo, o problema é que “todos têm as suas razões”. Serão todas elas eticamente aceitáveis? O filme, com uma intenção, assumidamente pedagógica, propõe-nos uma reposta para essa questão, assumindo-se como um magnífico manifesto a favor da liberdade e da dignidade humana. 

Posto isto, ele arriscava tornar-se algo abstracto, mera ilustração de uma disputa de ideias. E, de facto, a magnífica sequência do julgamento, onde Lory comenta os comportamentos de Manville e de Lambert, fazendo a denúncia que se tornou célebre dos homens “fortes por fora, mas fracos por dentro”, são reconhecidamente discursivas e retóricas. Porém, a ambivalência das atitudes de Lambert e da mãe e, sobretudo, a personagem do professor Lory (uma excelente interpretação de Charles Laughton) salva-o da queda num possível esquematismo, oferecendo-lhe uma maior complexidade. 

Ao fazer de Lory, um homem tímido e covarde, ridicularizado pelos seus alunos e sufocado pela atitude protectora da mãe, um herói da resistência, o filme de Renoir mostra-nos, que circunstâncias extremas podem fazer de “homens fracos por fora, mas fortes por dentro” os inesperados protagonistas da História.



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