quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Ma nuit chez Maud (1969) de Éric Rohmer



por Estela Cosme

Jean-Louis é um homem viajado, regressado ao seu país cheio de princípios e convicções que definem a sua vida. Sabe quem é, onde esteve e com quem. Tem o seu trabalho, o seu carro e as suas crenças. Jean-Louis é tão confiante que até declara que vai casar com uma mulher que ainda não conheceu. Qual é a probabilidade de estar certo? 
 
A determinação do protagonista parece inabalável, tal como a fé que o leva à missa aos domingos de manhã. Mas um dia por mero acaso depara-se com o seu antigo colega de liceu, Vidal, superando a mais pequena probabilidade de reencontro. Jean-Louis afirma-se como um homem de ciência, em conflito com a sua crença católica, mas isto não o impede de participar numa discussão sobre o filósofo e matemático Blaise Pascal, cuja cidade natal é precisamente aquela onde se encontram. 
 
É a "Aposta de Pascal" que incentiva a troca de ideias entre os amigos. Esta teoria resume-se à ideia que deveríamos viver com a suposição de que Deus existe pois será menos castigador se se acreditar quando ele não existe do que não crer e descobrir que Ele afinal existe. O melhor será então jogar pelo seguro e apostar na escolha menos danosa. Para Jean-Louis, essa aposta chama-se Françoise, a mulher loira e católica que vê na missa e com quem está determinado a casar. É a sua hipótese com mais futuro e esperança. 
 
Mas o seu plano é posto em causa quando acontece outro golpe de azar. Vidal convida o seu amigo ao apartamento de Maud, uma divorciada cética cuja sala de estar está mobilada com a sua cama. Os três debatem sobre filosofia e sobre Pascal e como se aplicam às suas vidas e aos seus relacionamentos. Maud rapidamente se interessa por Jean-Louis que, apesar de estar decidido a ir-se embora, é persuadido por Maud a ficar para evitar os perigos do repentino nevão. Seduzido pelo seu jogo de raciocínio e pelo seu charme, Jean-Louis hesita mas acaba por desvendar a Maud a sua duvidosa moralidade cristã, em permanente conflito com a sua vida amorosa. A noite acaba com Maud nua debaixo dos lençóis e com Jean-Louis desmascarado ao seu lado, tentado pela promessa sedutora de Maud. 
 
No dia seguinte, Jean-Louis rejeita os avanços de Maud, embora façam planos para se reunirem. Mais outro inesperado acaso o leva a conhecer finalmente Françoise nas ruas gélidas de Clermont, convidando-a a conhecerem-se. Isto não o dissuade de passar o resto do dia com Maud, apesar de saber que não é com ela que estão as suas melhores probabilidades de amor e casamento. À saída da casa de Maud, reencontra-se com Françoise mais uma vez, insistindo em salvá-la do gelo da estrada, oferecendo-lhe boleia a casa. Mais um infortúnio o impede de regressar, obrigando-o a passar mais um serão a falar da sua filosofia de vida com a mulher que deseja. Jean-Louis acaba mais uma noite noutra cama estranha, desta vez sozinho. 
 
Françoise acorda Jean-Louis na manhã seguinte, confessando o seu amor antes de ambos irem assistir à habitual missa. Françoise revela mais tarde que teve um caso com um homem casado, o que leva Jean-Louis a partilhar o seu próprio com uma mulher não identificada (Maud). Enquanto a neve cai sobre Clermont, iniciam a sua relação ao prometer não falar outra vez do assunto. 
 
No entanto, a sorte do destino bate à porta de novo. Passados cinco anos, Jean-Louis e Françoise encontram Maud numa praia em pleno verão, levando os ex-amantes a pôr a conversa em dia. No meio de tanta surpresa, o mais inesperado é a revelação de que as duas mulheres já se conhecem, ligadas pelo seu passado em Clermont. Maud, sempre tentadora, despede-se mas promete o reencontro quando passarem outros cinco anos, destinada a ser sempre a carta imprevisível no baralho de vida de Jean-Louis. 
 
Quando ele regressa à companhia de Françoise, a mulher que ele escolheu de forma tão certeira, apercebe-se também que ela está na sua vida graças à teia do destino. Apesar da íngreme probabilidade, ela própria foi a amante do ex-marido de Maud. Jean-Louis confessa que foi com Maud que esteve na noite antes de se conhecerem mas jura que é uma questão do passado, tal como o caso de Françoise, o qual ele não menciona. O casal termina na praia, levando o filho em direção ao mar. De momento não há nevão para causar mais voltas inesperadas. 
 
Por coincidência ou não, a cena final retoma o que Jean-Louis disse no seu primeiro encontro com Françoise: "a minha vida é toda ela feita de acasos." Qual é a probabilidade de ele ter acertado?



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