por Estela Cosme
Dina é jovem, sonhadora e meiga, mas sobretudo é rebelde e destemida. Leva ao peito uma chave, tendo sempre consigo o único acesso ao seu mundo interior. Embora esteja apenas a começar a vida, o universo de Dina é bem mais rico que os senhorios da casa onde mora.
Pouco depois de a conhecermos, vemos Dina de olhos abertos, inquieta numa noite calma, deixando o conforto da cama da avó pela frieza do chão da casa de banho, onde finalmente pode partilhar os seus pensamentos. É através do seu diário, um dos seus poucos pertences nesta casa de estranhos, que obtemos a pista mais importante para desvendar o destino de Dina.
"Lisboa, 17 de Março de 1974".
Dina é como todas as jovens da sua idade, com uma tremenda ânsia de experienciar a vida, impaciente por expandir o seu mundo para fora do diário, para fora da cozinha da avó, para fora da janela da escola. O que ela não sabe é que em breve uma rebelião estará à porta do seu liceu no Largo do Carmo. Mas Dina não espera e põe em marcha a sua própria revolução.
É comum que na nossa sociedade as vivências de adolescentes sejam subestimadas, postas de parte como consequências inconvenientes do crescimento. Um sobressalto em alto mar antes da chegada a bom porto. Mas o filme de Solveig Nordlund mostra precisamente o contrário, focando-se numa história que tem tanto para contar como a de um adulto, inclusive em tempos de mudança. Dina emerge como uma ligação entre o passado e o futuro, ilustrando o quão difícil é viver no intermédio. Pior ainda quando se está a tentar estabelecer uma individualidade, sobretudo uma que resista a um sistema político opressivo.
A rebeldia de Dina é discreta numa ditadura incessante e cruel, e nada parece causar-lhe grandes problemas, à exceção de uma camisola. É na atenção que os homens mais velhos lhe prestam que ela encontra a sua forma de escapar à monotonia da adolescência, o que lhe trará consequências nefastas. Mas
o amor está ao virar da esquina. E os tanques também.
A vida de Dina muda radicalmente quando conhece Django, tão misterioso como o seu nome, um
enigma de casaco de cabedal, com promessas de um amor que ela só conhece das bandas-desenhadas. O começo é o típico mar de rosas até que Django se mostra cada vez mais possessivo. Enquanto as ruas da cidade se enchem de esperança e alívio pelo fim da brutalidade do regime findado, o amor de Dina e Django azeda e complica-se, tornando-se não só violento mas também inquebrável, com um pacto de sangue que manchará as suas vidas para sempre.
A revolução de Dina e de Django é difícil de presenciar, sobretudo quando entram numa espiral de criminalidade que não se fica apenas pelos roubos e sequestros. É inquietante ver quando Django esconde num cobertor uma espingarda, um dos símbolos da revolução de Abril, desta vez sem cravo, uma mera arma para perpetrar os seus crimes. É ainda mais doloroso ver quando é usada, num momento de pânico, não só por ele, mas também por Dina, já não mais inocente, nem perante a lei nem perante a sua própria consciência.
Enquanto dorme, Dina agarra a chave que leva ao pescoço. Agarra também a sua ligação ao passado para poder escapar ao presente. Comete por isso mais um ato de rebeldia, tentando assim evitar um destino trágico. Quebra então a sua submissão a Django, mas é tarde demais, e a sua adolescência chega a um fim precoce demais.
As palavras da sua avó ecoam enquanto vemos o triste desfecho de Dina: “O mais importante é o amor.” Será verdade?
É o amor que leva Dina algemada a um destino trágico, um efeito da nova liberdade das mulheres, mas também castigo da ditadura dos homens. Vemos a injustiça de um presente aprisionado enquanto se grita por liberdade nas ruas. A sua revolução é uma sem cravos.
Dina aprende a lição com uma pena demasiado pesada: não há amor sem liberdade. E essa é a chave que devemos levar sempre ao peito.
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