quarta-feira, 8 de maio de 2024

The Two Faces of Dr. Jekyll (1960) de Terence Fisher



por António Cruz Mendes

Terence Fisher realizou dezenas de filmes protagonizados por uma vasta galeria de conhecidos monstros: Frankenstein, Drácula, o Fantasma da Ópera, a Múmia… Desvalorizados pela crítica quando estrearam, houve quem viesse mais tarde a reconhecer a sua qualidade. 
 
Em As duas faces do Dr. Jekyll, Terence Fisher trouxe para a tela dos cinemas a personagem da bem conhecida novela O Médico e o Monstro. No entanto, o argumento de Wolf Mankowitz é estranho à história escrita por R. L. Stevenson. Nesta, só há protagonistas masculinos mas, no filme, a mulher tem um papel fundamental e, tal como sucede noutras obras de Fisher, o horror associa-se ao erotismo. Muitos recordarão por certo, a volúpia com que, nos seus filmes, jovens donzelas oferecem o seu pescoço aos dentes do Conde Drácula... Neste caso, grande parte da acção decorre em dois cenários contrastantes: o ambiente do laboratório do Dr. Jekyll, sombrio, austero e monocromático, e o da Esfinge, um cabaret onde as cores explodem e reina a liberdade e a devassidão. Estes dois mundos espelham-se no rosto dos protagonistas. O Dr. Jekyll e o Mr. Hyde são encarnados pelo mesmo actor, mas Paul Mason, quando assume o papel do primeiro, aparece-nos com uma cabeleira e sobrancelhas postiças, uma fácies torturada e o rosto sob uma pesada maquilhagem e, quando encarna o segundo, surge-nos despido de todos esses adereços, livre, espontâneo, de olhar fulgurante e sorriso aberto. 
 
O conflito interior do Dr. Jekyll com o seu alterego, Mr. Hyde, tem sido por vezes entendido como exemplificando aquele que opõe o Id ao superego. Para Freud, o Id, fonte de impulsos e desejos inconscientes, busca o prazer imediato. É irracional e amoral. O superego, pelo contrário, encarna os valores socialmente aceites e funciona como um juiz da acção humana. O conflito entre ambos é gerido de uma forma apenas parcialmente consciente pelo ego, que obedece ao “princípio da realidade”, procurando minimizar todas as consequências negativas que possam advir da busca do prazer. Embora a novela de Stevenson tivesse sido escrita muito antes de Freud ter enunciado a sua teoria psicanalítica, esta tese pode corresponder ao facto de, nela, Mr. Hyde ser descrito como um tipo impulsivo e bestial, mas também como sendo muito baixo, de uma altura muito inferior à do Dr. Jekyll, o que se explicaria por o seu ser ter vivido sempre reprimido, impedido de se exercitar livremente. 
 
No filme de Terence Fisher, apesar de Mr. Hyde nos aparecer sob uma forma de um homem atraente e bem-parecido, essa interpretação também é admissível. O diabo tem de saber ser tentador. Porém, As duas faces de Dr. Jekyll pode sugerir-nos outras leituras. Há nele uma nota de crítica social que importa sublinhar, uma denúncia da hipocrisia da puritana sociedade Vitoriana, da qual a Esfinge nos revela uma das suas faces ocultas. Quando Hyde quer conhecer os bas fonds da sociedade inglesa, é Paul Allen, um gentleman na sua aparência, que lhe serve de guia. E pode ser visto ainda como um caso de crime passional. Apesar do seu cinismo e da sua hipocrisia, Kitty está apaixonado por Allen e rejeita tanto os pedidos de ajuda de Jekyll, como os avanços amorosos de Hyde. E este, que a estupra e assassina, acaba por ser o instrumento da vingança de Jekyll. Será, talvez, a necessidade imperiosa de a realizar o que pode explicar que, no conflito interior que o consome, acabe por ser Hyde a levar a melhor. 
 
Enfim, na novela de Stevenson, o honrado Jekyll suicida-se porque percebe que essa é a única forma que lhe permite liquidar o brutal e sádico Hyde que o habita. No filme de Terence Fisher, o final fica em aberto. Diante dos olhos da polícia, Jekyll e Hyde revelam-se como uma só pessoa, mas o autor material dos crimes cometidos praticou-os contra a vontade do homem que têm diante de si. Como irá lidar a Justiça com o seu caso?



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