Nesta segunda semana de Junho veremos João Bénard da Costa como actor (sob o pseudónimo de "Duarte de Almeida", o nome que usava sempre que era convidado para entrar num filme) em Frágil como o Mundo, o segundo filme realizado por Rita Azevedo Gomes. O título vem de um poema assinado por Sophia de Mello Breyner Andresen, Terror de Te Amar, que fala do "terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo", do "mal de te amar neste lugar de imperfeição / onde tudo nos quebra e emudece / onde tudo nos mente e nos separa". É a nossa próxima sessão na Casa do Professor.
Em entrevista a Alberto Hernando para a revista digital galega A Cuarta Parede, este ano, Rita Azevedo Gomes disse que "eu nunca estabeleço fórmulas. Vou sentindo, como se estivesse a compor música que ainda não conheço, até dar com ela. Pelo menos no meu caso, vai-se construindo à medida que se vai criando. E por muito que se tenham as coisas previstas, pode mudar tudo. Pode acontecer qualquer coisa a uma situação, na rua, com os actores, e pode-se chegar a tomar decisões muito inesperadas que não se tinham previsto. Havia uma cena em Frágil Como o Mundo (2001) para a qual a equipa me perguntava sempre: Quantos planos vamos fazer amanhã?” (equipa de loucos que quer saber tudo! Eu não sei). No final disse-lhes: “São doze planos”, e no dia seguinte começamos a filmar e vi que tinha de ser um plano único.
Em entrevista a Alberto Hernando para a revista digital galega A Cuarta Parede, este ano, Rita Azevedo Gomes disse que "eu nunca estabeleço fórmulas. Vou sentindo, como se estivesse a compor música que ainda não conheço, até dar com ela. Pelo menos no meu caso, vai-se construindo à medida que se vai criando. E por muito que se tenham as coisas previstas, pode mudar tudo. Pode acontecer qualquer coisa a uma situação, na rua, com os actores, e pode-se chegar a tomar decisões muito inesperadas que não se tinham previsto. Havia uma cena em Frágil Como o Mundo (2001) para a qual a equipa me perguntava sempre: Quantos planos vamos fazer amanhã?” (equipa de loucos que quer saber tudo! Eu não sei). No final disse-lhes: “São doze planos”, e no dia seguinte começamos a filmar e vi que tinha de ser um plano único.
"O cinema é tempo. Um plano é tempo com uma duração determinada: começa aqui e acaba ali. A ilusão do tempo é uma coisa muito estranha no cinema. Pode-se ter a sensação de que passaram horas e só foram 10 minutos. O tempo é uma invenção do homem, que o começou a marcar e a cortar em meses e em anos e em horas. Mas o que é o tempo para os animais? Eles não se fazem essa pergunta, vivem no aqui e no agora. O tempo e a realidade são coisas que não entendo, por isso me interessam. A realidade também é muito complexa, e talvez as histórias nos ajudem a explicá-la, por isso temos a necessidade de as contar."
Na pequena introdução à entrevista que fez à realizadora em 2017, publicada na revista chilena laFuga, Iván Zgaib disserta sobre o mistério provocado pelas suas obras, confessando que "mal posso começar a descrever o que senti quando vi Frágil Como o Mundo (2002), um dos filmes realizados pela portuguesa Rita Azevedo Gomes. Talvez tenha sido a emoção de estar a olhar para algo difícil de classificar, como uma espécie de ovni cinematográfico que aparecia na tela: misterioso, hipnotizante, cativante. Se não o tivesse sabido antes, provavelmente não teria imaginado que este filme se fez no ano de 2002. Há nele uma potência poética e uma carga emocional que o empurram, nalgum momento, para um universo atemporal; é eterno ao mesmo tempo que aponta, quiçá sem o querer, um caminho possível para o cinema contemporâneo.
"A própria história do filme desenvolve-se numa época indefinida, em que a atenção está posta em dois adolescentes que fogem de suas casas para preservar e proteger o amor que os une. Ainda que nunca fique totalmente claro qual é a ameaça em concreto, todo o filme se reveste de uma angústia alimentada pela monstruosidade do tempo: os adultos fazem perguntas a si mesmos sobre as suas decisões e experiências passadas, enquanto os jovens temem que a vitalidade do amor deles encontre alguma força estranha que a faça em pedaços. Daí, Rita Azevedo Gomes filma com delicadeza um mundo repleto de belezas que podem desaparecer de un momento para o outro; a neblina que serpenteia entre as casas e os bosques vai-se apoderando lentamente da imagem, como um mau augúrio que antecipa o fim das personagens. É essa sensação de urgência adolescente que converte parcialmente o filme numa fábula infantil, uma tragédia shakesperiana e uma aproximação moderna sobre a imagem e o som."
Já Carlos Melo Ferreira, num texto de 2006 re-publicado em 2012 no seu blog, escreve que "há ocasiões em que o cansaço das imagens desaparece, e é quando alguma coisa de primordial, de primitivo as atravessa para se nos cravar nos sentidos e na memória. É isso que acontece com a segunda longa-metragem de Rita Azevedo Gomes, Frágil Como o Mundo (2002), filme que se desenrola entre personagens míticas que nos trabalham, nos habitam e em que nós, mais tarde ou mais cedo, nos transformamos. Eu explico-me.
"Frágil Como o Mundo impõe-se quase insensivelmente como uma melopeia sonora, aliás belíssima, composta por palavras de Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís, Luís de Camões, nomeadamente. Só por si, essa bela melopeia transforma-se em melodia fundamental e fundadora de uma condição humana, tal como ela pode ser enunciada em português. Mas, embora eu suspeite de que o filme quase delas pudesse prescindir, as imagens surpreendem vivamente, elas também. Na verdade, a câmara de mestre Acácio de Almeida cria um mundo assombroso de imagens, com um tratamento cortante do preto e branco que o faz parecer único, concebido especialmente para este filme. Umas vezes invadida por indecisos cinzentos, outras vezes puxando o contraste até arestas de aço, a imagem que nos surge aqui é a de um mundo fantástico, de um conto de fadas que se quer reflexo fiel dessa condição humana enunciada pelas palavras em português. Reflexo condensado e deslocado, como aquele que o sonho em nós desperta, à semelhança do que faz o filme, como Christian Metz mostrou/demonstrou num texto célebre."
Até Quinta-Feira!
Na pequena introdução à entrevista que fez à realizadora em 2017, publicada na revista chilena laFuga, Iván Zgaib disserta sobre o mistério provocado pelas suas obras, confessando que "mal posso começar a descrever o que senti quando vi Frágil Como o Mundo (2002), um dos filmes realizados pela portuguesa Rita Azevedo Gomes. Talvez tenha sido a emoção de estar a olhar para algo difícil de classificar, como uma espécie de ovni cinematográfico que aparecia na tela: misterioso, hipnotizante, cativante. Se não o tivesse sabido antes, provavelmente não teria imaginado que este filme se fez no ano de 2002. Há nele uma potência poética e uma carga emocional que o empurram, nalgum momento, para um universo atemporal; é eterno ao mesmo tempo que aponta, quiçá sem o querer, um caminho possível para o cinema contemporâneo.
"A própria história do filme desenvolve-se numa época indefinida, em que a atenção está posta em dois adolescentes que fogem de suas casas para preservar e proteger o amor que os une. Ainda que nunca fique totalmente claro qual é a ameaça em concreto, todo o filme se reveste de uma angústia alimentada pela monstruosidade do tempo: os adultos fazem perguntas a si mesmos sobre as suas decisões e experiências passadas, enquanto os jovens temem que a vitalidade do amor deles encontre alguma força estranha que a faça em pedaços. Daí, Rita Azevedo Gomes filma com delicadeza um mundo repleto de belezas que podem desaparecer de un momento para o outro; a neblina que serpenteia entre as casas e os bosques vai-se apoderando lentamente da imagem, como um mau augúrio que antecipa o fim das personagens. É essa sensação de urgência adolescente que converte parcialmente o filme numa fábula infantil, uma tragédia shakesperiana e uma aproximação moderna sobre a imagem e o som."
Já Carlos Melo Ferreira, num texto de 2006 re-publicado em 2012 no seu blog, escreve que "há ocasiões em que o cansaço das imagens desaparece, e é quando alguma coisa de primordial, de primitivo as atravessa para se nos cravar nos sentidos e na memória. É isso que acontece com a segunda longa-metragem de Rita Azevedo Gomes, Frágil Como o Mundo (2002), filme que se desenrola entre personagens míticas que nos trabalham, nos habitam e em que nós, mais tarde ou mais cedo, nos transformamos. Eu explico-me.
"Frágil Como o Mundo impõe-se quase insensivelmente como uma melopeia sonora, aliás belíssima, composta por palavras de Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís, Luís de Camões, nomeadamente. Só por si, essa bela melopeia transforma-se em melodia fundamental e fundadora de uma condição humana, tal como ela pode ser enunciada em português. Mas, embora eu suspeite de que o filme quase delas pudesse prescindir, as imagens surpreendem vivamente, elas também. Na verdade, a câmara de mestre Acácio de Almeida cria um mundo assombroso de imagens, com um tratamento cortante do preto e branco que o faz parecer único, concebido especialmente para este filme. Umas vezes invadida por indecisos cinzentos, outras vezes puxando o contraste até arestas de aço, a imagem que nos surge aqui é a de um mundo fantástico, de um conto de fadas que se quer reflexo fiel dessa condição humana enunciada pelas palavras em português. Reflexo condensado e deslocado, como aquele que o sonho em nós desperta, à semelhança do que faz o filme, como Christian Metz mostrou/demonstrou num texto célebre."
Até Quinta-Feira!
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