sábado, 2 de maio de 2020

THE LITTLE BLACK DRESS



por Ana Teresa Pereira 

«Would it make any sense if I told you it’s never happened before?» 
«Maybe.» 
(Pushover

«Will you tell me something? Has this ever happened to you before?» 
«What?» 
«Falling… into San Francisco Bay.» 
(Vertigo

A rapariga é a mesma: Kim Novak. Os homens são Fred MacMurray e James Stewart. Para quem conhece Vertigo, ver Pushover pela primeira vez pode ser inquietante. Há elementos familiares: partes do diálogo, movimentos de câmara, cenas inteiras (Kim Novak a conduzir o automóvel e a parar junto à casa do homem que a persegue); o vestido preto que Scottie força Judy a usar quando tenta transformá-la em Madeleine (e que supostamente Hitchcock imaginara para Vera Miles), é o vestido preto de Lona em Pushover. Nas suas entrevistas com Truffaut, Hitch menciona o facto de Judy não usar soutien quando Scottie a encontra. No primeiro encontro de Lona e Paul, Quine filma-a de modo a tornar isso evidente. 

Pushover foi o primeiro filme de Kim Novak. Foi também o princípio da sua história de amor com Richard Quine. Fizeram vários filmes juntos; o último e talvez o mais belo é Strangers When We Meet (a casa que, no filme, Kirk Douglas está a construir, era a casa que Quine ia oferecer a Kim). Quase nada no romance de Bill S. Ballinger, que inspirou o argumento de Roy Huggins, sugere a personagem de Lona no filme. Lona não é uma “femme fatale”; ela precisa de dinheiro (as pessoas são sujas, o dinheiro não) porque precisa de segurança. A forma como Quine a filma torna-a enternecedora, quase pura: uma rapariga apaixonada. 

Hitchcock detestava Kim Novak. Mas a irrealidade de Madeleine, a presença carnal de Judy, não revelam isso. A câmara segue a actriz apaixonadamente, como a seguira três anos antes em Pushover. Esse foi um dos golpes de génio de Hitchcock. Filmar a actriz como um homem que a amava.

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