por António Cruz Mendes
Será pecado rirmo-nos das desgraças dos outros? É o que fazem muitos das pessoas que habitam o pequeno povoado perante a fuga da mulher do padeiro, mas não as podemos condenar. Afinal, nós próprios, os espectadores, não conseguimos seguir a sua história sem fazermos o mesmo. Aimable (o nome, por si só, define a personagem) é simultaneamente patético e risível e em todo o filme de Pagnol a tragédia e a comédia andam de braço dado.
Aimable está no centro do filme, tudo gira à sua volta. Mas, através dele, conhecemos uma série de personagens que talvez seja injusto definir como secundárias (o padre, o marquês, o professor, a solteirona…) porque todas elas são imprescindíveis para compor o quadro que ele nos quer oferecer. Logo nas primeiras sequências do filme, ficamos a sabê-lo: novas e antigas tricas separam essas pessoas, desconfiam umas das outras e muitas não se falam. A vinda do padeiro (o seu antecessor enforcou-se, não se sabe porquê) desperta uma curiosidade comum. Afinal, se “nem só de pão vive o homem”, sem ele não se pode viver. E vai aproximá-los também a fuga da padeira, primeiro como pretexto para uma galhofa colectiva, depois como movimento de solidariedade geral, pois o padeiro, deprimido, já não consegue trabalhar. Na “luta pelo pão”, vai-se forjando uma comunidade solidária a qual não falta sequer um pequeno “exército” que parte numa missão “patriótica”. Os vizinhos fazem as pazes e o padre, enviado para resgatar a pecadora, atravessa os pântanos às cavalitas do professor agnóstico.
O filme tem várias sequências notáveis, mas vou referir apenas algumas. É excelente a do sermão, onde, o campo-contracampo nos permite observar as reações de Aimable às palavras do padre (que, no filme, é quase sempre tratado como um filisteu), que o levam a abandonar, destroçado, a igreja.
A da bebedeira, quando o padeiro, desfeitas todas as mentiras que ele conta a si mesmo e aos outros para justificar a ausência da mulher, resolve esvaziar uma garrafa de Pernod, onde ele ri, canta, interpela o marquês, o padre e o pescador, e diz coisas que obrigam à retirada das crianças que assistem, para acabar a chorar e a adormecer recordando-se do cheiro dos cabelos e dos braços de Aurelie – é de antologia.
Também é magnífica aquela onde o pescador, convidado a contar o que sabe do paradeiro de Aurélie, inicia a sua história por uma lírica e longa digressão acerca das suas impressões sobre o nascer do dia e da sua pescaria, mantendo o seu auditório em suspense, até que o padeiro, exasperado, se atira à sua garganta.
Finalmente, a sequência final, com o regresso de Aurélie, recebida com um pão em forma de coração e admoestada por “ter ido ver a mãe sem avisar”, e da Pomponette, a gata do padeiro, que tinha fugido de casa para viver uma aventura e, que agora, regressava à companhia do gato Pompon que, ela tinha abandonado, porque tinha frio e fome.
No fim, Aurélie volta acender o forno que estava apagado desde que a última fornada se queimou.
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