por José Álvaro Morais & Ilda Castro
(…) reagiram muito mal à ideia de que, de repente aparecesse um tipo que pertencia a uma geração nova em relação à deles, à do Cinema Novo.
Isso era uma curta-metragem, uma média-metragem…
Não, era uma longa-metragem, uma hora e meia. Feita com muito material de arquivo e, portanto, com muita montagem. Montar sempre me deu um gozo enorme. Mas também com material novo, que eu filmei com “Os Cómicos”, o Fernando Heitor, a Maria Amélia Matta, o Ricardo Pais, o Carlos Zíngaro. E havia também o Alexandre O’Neill, que escreveu os textos para todos os programas, e a quem eu pedi que fizesse o meu em verso. E a coisa saiu-me bem e acho que foi a partir do Cantigamente que começaram a falar de mim.
E em seguida?
A cena repetiu-se. Houve outra encomenda, agora da Fundação Gulbenkian, para um pequeno documentário sobre os desenhos que o Arpad Szenes tinha feito durante toda a vida em comum com a Vieira da Silva, os desenhos que ele tinha feito dela a dormir, a pintar, a ler. E, mais uma vez, era um trabalho destinado a outro realizador, o António Pedro Vasconcelos que, pelas mesmas razões - estava nessa altura a preparar o Oxalá - delegou em mim a realização desse pequeno documentário que deu uma longa-metragem, o Ma Femme Chamada Bicho.
Em que ano?
Em 77.
E entretanto…
Entretanto o Ma Femme Chamada Bicho teve algum prestígio na altura e eu tive um subsídio para um projecto que trazia da Escola de Cinema, que era O Bobo. Era uma adaptação libérrima do romance de Herculano, muito influenciada por algum cinema da época, coisas do Carmello Bene e assim. O CPC apresentou-o ao IPC na lista dos projectos para subsídio em 75. E o filme teve um subsídio mínimo, de 1.500 contos. Isso coincidiu mais ou menos com o fim do Centro Português de Cinema e eu fiquei com a produção a meu cargo. Contratei um senhor chamado Henrique Espírito Santo para director da produção. O filme começou de uma maneira quase suicida, 1.500 contos já naquela altura não davam para coisa nenhuma. Conseguimos pequenos apoios aqui e ali. A rodagem foi interrompida várias vezes e, quando o filme estava finalmente rodado, não havia um tostão para pós-produção. O negativo ficou retido nos frigoríficos da Tobis, e pronto. Seis anos mais tarde o António da Cunha Telles retomou a produção, com todos os direitos que lhe advinham como produtor, e o filme foi concluído.
in «obra cinematográfica de José Álvaro Morais», Videoteca de Lisboa, 1998.