por Joaquim Simões
O filme que hoje se apresenta no cineclube teve como “primeira loucura”, extrapolando as
palavras utilizadas numa entrevista pelo realizador, a de fazer um remake do filme Some
Came Running de Vincent Minelli: “encontrar um Sinatra, e logo o seu movimento de repulsa
e proximidade para com o seu modo de vida e para com o seu meio, uma dialética visceral
que tentasse resgatar e reter o tempo perdido, para ele surgir ao mesmo tempo do que o
presente e o pressentimento do futuro”. O filme afastou-se clara e deliberadamente desse
ponto de partida, aproximando-se antes de um documentário da cidade de Braga no seu
estado atual, que é o mesmo que dizer através dos tempos, porque uma cidade tem essa
capacidade de conter em si visivelmente o passado.
Esta sensação documental vem tanto da exploração física da cidade como do respeito dado
aos diálogos cuja naturalidade advém precisamente do facto de terem sido tirados quase
inteiramente de conversas de bracarenses e amigos; essa naturalidade define também o ritmo
do filme, que vagueia, como o protagonista, de espaço em espaço, de conversa em conversa,
deixando que o espectador seja lenta mas certeiramente envolvido pela aura da cidade, uma
aura que mesmo (ou talvez especialmente) um bracarense redescobre no ecrã. Como diz um
personagem de um filme famoso: “é engraçado como as cores do mundo real só parecem
mesmo reais quando as vemos num ecrã”.
Mas o filme, através do seu protagonista e nosso guia, Roberto, assume uma relação subjetiva
com a cidade, uma cidade que ele critica ferozmente ao mesmo tempo que ama, uma cidade
cujo assalto pela modernidade assume para o protagonista a mesma vileza (ou apenas triste
realidade) do cancro que presumivelmente o corrói a ele mesmo. É esta resistência de
Roberto à mudança que o condena, e que move a sua conduta destrutiva; um cómico exemplo
disso são os seus encontros com um jovem da geração Facebook, que culminam no triunfo
orgulhoso de um sino da catedral sobre um telemóvel como forma de dar as horas. Mas
apesar das mudanças a cidade retém a sua pesada influência católica em todas as esquinas, e
alguns dos personagens, assim como todos os atores do filme (exceto o protagonista) são
personagens da própria cidade e parte da sua história, como o dançarino João, ou o próprio
Adolfo Luxúria Canibal.
Escrevendo este texto três anos após a estreia do filme é curioso pensar que mesmo o
presente que o filme documenta é já um passado visível, e por exemplo a taberna “Subura”,
onde decorre uma grande parte do filme, já não existe: a mudança continua, imutável.
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