por Joaquim Simões
A Academia das Musas é um filme que se desenvolveu enquanto foi filmado. José Luis
Guerín começou por querer fazer uma experiência com Raffaele Pinto, professor de Filologia
Italiana na Universidade de Barcelona, tendo-o conhecido através da sua edição da Vita
Nuova, de Dante Alighieri, que inspirou um filme anterior do realizador (En la ciudad de
Sílvia). Depois de ter sido convidado pelo professor a experimentar cinematograficamente
nas suas aulas, o realizador começou por fazer aquilo a que chama geralmente um
documentário: apontar e filmar a realidade, neste caso a realidade das aulas de um projeto
do intitulado “Academia das Musas”, uma série de aulas dedicadas à importância das musas
na poesia, tanto como objeto desta como inspiração dos artistas masculinos, e
consequentemente, do seu papel civilizacional. A dada altura, o material que Guerín havia
recolhido, analisado e montado até então, fez surgir a possibilidade de um filme com um
propósito, uma narrativa, e o realizador mudou a sua abordagem, passando do âmbito
documental para a ficção.
Utilizando o professor e as suas alunas como personagens, assim como uma outra
professora da universidade para representar o papel da esposa do professor, A Academia
das Musas pega no tema do projeto pedagógico que se propôs a documentar e aplica-o à
própria estrutura do filme: as alunas do professor surgem como as suas musas. Os diálogos
entre o professor e alunas passam a acontecer fora da sala de aula, individualmente, e em
lugares suspeitos para uma relação meramente pedagógica: conversas em carros, em cafés
e hotéis. As aulas e estes encontros são contrapostos com as conversas (e os silêncios) entre
o professor e a sua mulher, que discutem a sua relação e o método de ensino do professor
quando começa a ser óbvio que este envolve relações amorosas com as alunas.
Apesar de o filme passar progressivamente do reino documental para a ficção, e isso se
tornar óbvio através da ubiquidade da câmara em situações manifestamente
comprometedoras, a genuinidade das conversas do professor e das alunas mantém sólida a
verosimilhança documental que é imprescindível para a força do filme como exploração do
tema do romance como parte de um processo pedagógico, ou da pedagogia como
justificação para o romance.
Um filme de grandes planos, caras e vozes, A Academia das Musas não deixa de conseguir
tornar as limitações necessárias da sua forma, nomeadamente o trabalho com atores sem
experiência, em poderosas formas de expressão. As conversas, filmadas maioritariamente
através de vidros como forma de proceder com discrição, criam através destes reflexos uma
noção “singularmente abstrata e literária, confrontando de um modo poético a palavra
íntima do interior com a violência do exterior”.
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