por Joaquim Simões
O movimento do rap do Norte, nomeadamente do Grande Porto, é hoje em dia nacionalmente reconhecido. Pouca gente há das gerações que nasceram a partir dos anos 90 que não conheça os Dealema ou o Mundo Segundo, por exemplo, e os artistas de rap e hip-hop que surgem hoje em dia em qualquer lado do país constroem, inevitavelmente, sobre o legado desse movimento. E, no entanto, por detrás dessa explosão que surgiu nos anos 90 e início de 2000 há uma história por contar. Ou havia, até à data de lançamento do filme que se exibe hoje no cineclube.
Não Consegues Criar o Mundo Duas Vezes é um filme que conta a história do rap no Grande Porto através das pequenas histórias de cada um, “as memórias individuais daqueles que, nas suas vidas, contribuíram, no início sem o saber, para o nascimento e consolidação de uma expressão artística.” (nas palavras dos realizadores). É um documentário com o propósito simples de recolher o testemunho de algumas das pessoas que viveram esse momento efervescente, captando assim o espírito de um lugar e de um tempo: um momento especial onde a sintonia de um pequeno número de pessoas espalhadas por uma grande cidade possibilita uma onda de energia que consegue mudar a cultura. É um documentário que, mais do que factos e histórias, recria um ambiente, um zeitgeist único e efémero. Hoje em dia, roupa XXL e breakdance são uma forma datada de cultura jovem cujo facto de alguma vez ter sequer existido podemos ser levados a considerar com incredulidade, mesmo sendo tão recente, de tal modo foi ultrapassada, mas são documentos como este que mostram como essa mesma cultura foi a forma de uma geração se definir e reivindicar a individualidade que a estagnação social e cultural do seu meio nunca lhes havia dado.
Através da justaposição de planos da cidade na sua forma atual, gentrificada e mcdonaldizada, com testemunhos de alguns dos protagonistas e participantes do movimento hip-hop na zona do Porto, Gaia e Matosinhos, o documentário enfatiza a singularidade desse fenómeno, inimitável e irrepetível. Os sítios, agora históricos, que albergaram parte desta “cena”, como o bar Comix ou o Hard Club de Gaia - lugares que o tempo transformou impiedosamente em cafés chiques ou mais graciosas ruínas - aparecem-nos diante dos olhos no seu estado atual e mesmo assim não conseguimos deixar de imaginá-los como teriam sido, ao sermos guiados pelos relatos de genuína emoção, contados nas palavras dos próprios mestres da palavra (quem melhor para fazer surgir na imaginação algo que nunca poderá ser testemunhado por quem não esteve lá no momento?) criando, para além da inevitável sensação nostálgica que surge do contraste de tempos diferentes (mesmo para quem não os viveu) uma nova experiência do movimento original do hip-hop e do rap no Porto, esta ao critério da imaginação de cada um.
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