Finalmente, Clint Eastwood, realizador. Depois de já ter passado algumas vezes como actor pelo nosso cineclube. Das muitas obras-primas que realizou na década de 90, escolhemos A Perfect World, que será a nossa próxima sessão. Emocionalmente dilacerante, é bem representativo do classicismo complexo do homem que aprendeu com Don Siegel ou Sergio Leone. Road movie aparentemente linear, literalmente pela América fora, encontra na relação entre o fugitivo Kevin Costner e a criança raptada todos os desvios e infracções às normas, ao bem e ao mal. Todas as perguntas que normalmente evitamos, o nosso lado negro e a perfeição. Imperdível, ainda para constatar a grandeza de Costner quando no lado certo.
Maria João Madeira, programadora da Cinemateca Portuguesa e responsável pelo catálogo dedicado ao cineasta em 2008 (Clint Eastwood - Um Homem com Passado), apresentará o filme em vídeo.
Clint Eastwood, discutindo o facto de A Perfect World se passar em 1963, pouco antes da chegada do presidente Kennedy a Dallas, disse a Henri Béhar pela altura da estreia do filme que "esta "ligação a Kennedy" já estava no guião de John Lee Hancock. Não o discuti com ele, mas sempre me pareceu interessante lidar com os dias de hoje no contexto do passado. Unforgiven passava-se em 1880, mas lidava com a violência armada, um problema que não podia ser mais contemporâneo. A Perfect World situa-se num momento preciso de um ano preciso, mesmo à beira de uma grande viragem para o vazio que se apoderará da América (...) Não se sabe ao certo onde é que este elemento tem o seu lugar no filme, ou se há um lugar para ele directamente. Mas sente-se como um eco do desencantamento de Red e da sua rebelião no que diz respeito ao sistema político. Pensei que era bom situar este filme neste momento em particular, que foi um bocado estranho e como que num estado de suspense."
Clint Eastwood, discutindo o facto de A Perfect World se passar em 1963, pouco antes da chegada do presidente Kennedy a Dallas, disse a Henri Béhar pela altura da estreia do filme que "esta "ligação a Kennedy" já estava no guião de John Lee Hancock. Não o discuti com ele, mas sempre me pareceu interessante lidar com os dias de hoje no contexto do passado. Unforgiven passava-se em 1880, mas lidava com a violência armada, um problema que não podia ser mais contemporâneo. A Perfect World situa-se num momento preciso de um ano preciso, mesmo à beira de uma grande viragem para o vazio que se apoderará da América (...) Não se sabe ao certo onde é que este elemento tem o seu lugar no filme, ou se há um lugar para ele directamente. Mas sente-se como um eco do desencantamento de Red e da sua rebelião no que diz respeito ao sistema político. Pensei que era bom situar este filme neste momento em particular, que foi um bocado estranho e como que num estado de suspense."
Miguel Marías, conhecido do nosso cineclube, escreveu em 2005 para o El Cultural que "mais uma vez, a realidade violenta e crua impõe-se sobre qualquer outra consideração neste tomo maior de Clint Eastwood. Contou nesta altura com Kevin Costner
(na sua melhor interpretação) para dar vida a um presidiário que na sua
fuga do cárcere sequestra um menino carente de um pai. Lições
de vida, aprendizagem moral, a implicação do passado, as forças do
instinto face às da tecnologia são só alguns dos grandes
temas que sustentam este enorme filme."
João Bénard da Costa, quando escrevia para O Independente, confessou que "quando fui ver A Perfect World estava num daqueles dias em que se tende a exagerar a natural imperfeição do mundo e dos seus habitantes. Um daqueles dias em que se toma a parte pelo todo ou uma dor de cabeça por um cancro no cérebro. Um daqueles dias, por exemplo, em que, quando presenciamos tristes figuras, de quem as esperávamos e de quem as não esperávamos, generalizamos que só há figurações tristes nestes tristes tempos deste triste espaço. Que “faz frio pensar na vida”. O que a vida faz às pessoas. O que as pessoas fazem da vida. De associação em associação, de recorrência em recorrência, tudo ou muito (mas um muito que é demais) nos começa a parecer sinistro. “Há qualquer coisa de sinistro no olhar daquele carneiro”, dizia Nuno Bragança quando não gostava ou desconfiava de uma pessoa. Em dias, como o dia em que vi A Perfect World, descobri “qualquer coisa de sinistro” no olhar de quase todos os carneiros, mesmo daqueles que têm lã quentinha e a quem gostamos de passar a mão pelo pêlo ou que nos passem a mão pelo pêlo. Os amigos não são para essas ocasiões.
João Bénard da Costa, quando escrevia para O Independente, confessou que "quando fui ver A Perfect World estava num daqueles dias em que se tende a exagerar a natural imperfeição do mundo e dos seus habitantes. Um daqueles dias em que se toma a parte pelo todo ou uma dor de cabeça por um cancro no cérebro. Um daqueles dias, por exemplo, em que, quando presenciamos tristes figuras, de quem as esperávamos e de quem as não esperávamos, generalizamos que só há figurações tristes nestes tristes tempos deste triste espaço. Que “faz frio pensar na vida”. O que a vida faz às pessoas. O que as pessoas fazem da vida. De associação em associação, de recorrência em recorrência, tudo ou muito (mas um muito que é demais) nos começa a parecer sinistro. “Há qualquer coisa de sinistro no olhar daquele carneiro”, dizia Nuno Bragança quando não gostava ou desconfiava de uma pessoa. Em dias, como o dia em que vi A Perfect World, descobri “qualquer coisa de sinistro” no olhar de quase todos os carneiros, mesmo daqueles que têm lã quentinha e a quem gostamos de passar a mão pelo pêlo ou que nos passem a mão pelo pêlo. Os amigos não são para essas ocasiões.
"Antigamente, um bom filme de Capra, um bom filme de Ford, eram o antidepressivo ideal para essas ocasiões, que provavelmente têm mais que ver com coisas nossas de que com coisas vossas. Hoje - Capra morreu, Ford morreu e não há ninguém com muita saúde - é mais raro achar filmes com essas virtudes. Mas, no ser humano, a capacidade de bem é tão espantosa como a capacidade de mal e, mesmo que a moral vigente não seja mais a moral edificante, há sempre excepções à regra. A Perfect World (título que não deve ser lido ironicamente) é uma dessas excepções. De resto, num diálogo do filme (e dos mais importantes) é de regras e excepções que se fala.
"T. J. Lowther, o miúdo que Clint Eastwood descobriu (decalcado a papel químico de 4.700 miúdos análogos do cinema americano) confessa a Kevin Costner que roubou a fantasia do fantasminha e a máscara do “halloween”. Pergunta-lhe se está zangado com ele, pergunta aliás recorrente na boca de uma criança educada por Testemunhas de Jeová e por muitas proibições. Costner responde-lhe que não se deve roubar, mas que quando uma coisa apetece muito e não há dinheiro... E acrescenta, à laia de moral, “todas as regras têm excepção”. É quase no fim do segundo grande travelling de acompanhamento, no caso em questão de acompanhamento do carro em que o adulto e a criança por duas vezes permutam estatutos: o adulto faz-se criança (para o bem e para o mal, nunca tinha deixado de o ser) e a criança torna-se adulto. Nesses dois travellings (muito longos e admiravelmente filmados) Kevin Costner e T. J. Lowther ligam-se um ao outro e ligam-se a nós."
Até Terça!
Até Terça!
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