Continuando o nosso ciclo, veremos o primeiro filme deste realizador portuense (como Manoel de Oliveira, António Reis ou o pioneiro Aurélio da Paz dos Reis), que foi a primeira vez de muitas coisas: o amor de um rapaz e de uma rapariga muito novos e verdes como árvores na adolescência, acompanhado e eternizado pela música do grande Carlos Paredes, uma revelação para cineastas bem jovens e prestes a fazer também os seus filmes, a estreia de Isabel Ruth no cinema, o nascimento do cinema novo ("chegou a nova vaga...", como diz o poster), etc.
Em conversa com Roberto Turigliatto sobre os seus dias de juventude, de Lisboa, dos católicos progressistas, de ambientes "mal pensantes", de política e arte moderna (no catálogo publicado por ocasião do Omaggio a Paulo Rocha inserido no XIII Festival Internacional de Cinema Jovem de Turim, em 1995), Rocha admitiu que "isto teve uma enorme influência, descobriram-se novos autores, novos caminhos para percorrer. Pode-se dizer que grande parte do que acontece em Portugal de há trinta anos para cá deriva desta fractura, da falha que então se abriu. De repente tornou-se possível ser culto, vanguardista na arte e politicamente engajado.
"A dada altura os meus estudos universitários em Lisboa não andavam muito bem, e comecei a produzir uma quantidade excessiva de histórias. Escrevia quatro páginas, às vezes mais, lembro-me de ter feito uma lista, tinha cerca de 50 histórias, e cada uma tinha precisado de una semana para se organizar na minha cabeça. Corpos, personagens, incidentes. Também tive sempre a mania de caminhar a pé, fosse na cidade, ouvindo as pessoas, fosse em lugares um pouco mais mágicos e misteriosos, na montanha, no campo... Por exemplo, Os Verdes Anos nasceu do facto de duas vezes por semana eu passar três horas a andar sem destino pelos arredores de Lisboa, naquelas zonas rurais que foram sendo «apropriadas» a pouco e pouco, onde se estabeleciam aqueles que não conseguiam encontrar um quarto na cidade. Ainda se viam os restos de um mundo secular vagamente idílico e de repente mudava tudo... Era atraído por estes lugares como que por um mistério, era qualquer coisa de obsessivo, acabei a ir lá duas vezes por semana.
"Os Verdes Anos nasceu também de uma notícia num jornal, o crime cometido por um sapateiro. Por acaso aquele crime tinha acontecido a uns cem metros da casa onde vivia em Lisboa, no cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida dos Estados Unidos."
Pela altura da estreia em Portugal, Alberto Vaz da Silva, "católico progressista", tradutor e programador do Centro Cultural de Cinema em Lisboa, escreveu sobre o filme para a revista O Tempo e o Modo, abrindo assim as hostilidades: "Deste filme desprende‐se, ao longo do tempo em que em nós assentam as visões que dele tivemos, o gosto das coisas gratas. O sopro que o percorre é a intimidade a cada plano encontrada e dada à câmara com o ligeiro sobressalto da ária que o tema introduz. quem conhecer de cor as cinco primeiras cenas do cosi fan Tutte xará os verdes Anos e saberá decompô-los, para os amar, em árias, recitativos e duetos para os resumir no mais belo quinteto que conheço, e assim se resume também em palavras:
Em conversa com Roberto Turigliatto sobre os seus dias de juventude, de Lisboa, dos católicos progressistas, de ambientes "mal pensantes", de política e arte moderna (no catálogo publicado por ocasião do Omaggio a Paulo Rocha inserido no XIII Festival Internacional de Cinema Jovem de Turim, em 1995), Rocha admitiu que "isto teve uma enorme influência, descobriram-se novos autores, novos caminhos para percorrer. Pode-se dizer que grande parte do que acontece em Portugal de há trinta anos para cá deriva desta fractura, da falha que então se abriu. De repente tornou-se possível ser culto, vanguardista na arte e politicamente engajado.
"A dada altura os meus estudos universitários em Lisboa não andavam muito bem, e comecei a produzir uma quantidade excessiva de histórias. Escrevia quatro páginas, às vezes mais, lembro-me de ter feito uma lista, tinha cerca de 50 histórias, e cada uma tinha precisado de una semana para se organizar na minha cabeça. Corpos, personagens, incidentes. Também tive sempre a mania de caminhar a pé, fosse na cidade, ouvindo as pessoas, fosse em lugares um pouco mais mágicos e misteriosos, na montanha, no campo... Por exemplo, Os Verdes Anos nasceu do facto de duas vezes por semana eu passar três horas a andar sem destino pelos arredores de Lisboa, naquelas zonas rurais que foram sendo «apropriadas» a pouco e pouco, onde se estabeleciam aqueles que não conseguiam encontrar um quarto na cidade. Ainda se viam os restos de um mundo secular vagamente idílico e de repente mudava tudo... Era atraído por estes lugares como que por um mistério, era qualquer coisa de obsessivo, acabei a ir lá duas vezes por semana.
"Os Verdes Anos nasceu também de uma notícia num jornal, o crime cometido por um sapateiro. Por acaso aquele crime tinha acontecido a uns cem metros da casa onde vivia em Lisboa, no cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida dos Estados Unidos."
Pela altura da estreia em Portugal, Alberto Vaz da Silva, "católico progressista", tradutor e programador do Centro Cultural de Cinema em Lisboa, escreveu sobre o filme para a revista O Tempo e o Modo, abrindo assim as hostilidades: "Deste filme desprende‐se, ao longo do tempo em que em nós assentam as visões que dele tivemos, o gosto das coisas gratas. O sopro que o percorre é a intimidade a cada plano encontrada e dada à câmara com o ligeiro sobressalto da ária que o tema introduz. quem conhecer de cor as cinco primeiras cenas do cosi fan Tutte xará os verdes Anos e saberá decompô-los, para os amar, em árias, recitativos e duetos para os resumir no mais belo quinteto que conheço, e assim se resume também em palavras:
Il destin così defrauda
la speranze de’ mortali
Ah chi mai fra tanti mali
chi mai puó la vita amar?
"Esta obra, cinema de câmara – tê-la-ia Paulo Rocha dedicado secretamente a Jacques Becker? –, em si mesma tritura e molda os seus defeitos que depois se transformam moduladamente na paz da linha seguinte. A voz-off de Paulo Renato desaparece verdadeiramente quando pronuncia a palavra cidade e uma quase imperceptível panorâmica, depois de uma pausa, descobre as casas para lá das terras. é este o primeiro genérico
do filme. A desajeitada recepção da porteira alentejana resolve‐se depois no descobrir do jeito de abrir uma porta cromada de fecho escondido. e assim sempre, até que os repetidos passeios tudo a nam e as vozes se libertam para o seu reunido atravessar os campos. intimamente, na solidão, duas pessoas desaguam em imagens que as enquadram a olhar o rio e olhadas de um barco, a recuperar uma camisola molhada, recuperadas brevemente no centro de uma canção que as destina. A ária mais secreta inicia‐se naquele admirável plano em que isabel ruth e João Gomes, libertados entre o espectador e a janela do sapateiro trocam palavras – quais, quem se lembra delas? – que os implicam um no outro, reaparece na cena nocturna do passeio ‐após‐Texas‐Bar e na sequência da passagem de modelos e sustenta‐se no passeio final até à cidade universitária. é a ária chamada do segredo ou do tempo prestes a nascer.
"Todo o filme é um nascer de lua num céu ainda claro de anoitecer."
Já Jorge Silva Melo, que viu o filme na adolescência, escreveu para o jornal Sol em 2007 que "até terá havido filmes que vi mais vezes, Os Pássaros de Hitchcock, Rio Bravo de Hawks, Viagem em Itália de Rossellini, O Desprezo de Godard; até haverá filmes que insisto em guardar como só meus, A Rapariga da Mala de Zurlini, Duas Semanas Noutra Cidade de Minnelli; mas talvez nenhum filme, dos muitos que vi, me tenha rasgado mais o céu do possível do que este pequeno filme juvenil, inseguro, tímido e lírico de Paulo Rocha, filme feito aos vinte e cinco anos (o Paulo nasceu em Dezembro de 1936, o filme traz a data de 1963).
"A história é a de uma chegada à cidade, a uma cidade que mudava, que se construía. Júlio, o jovem que vem da província para a Lisboa moderna da Avenida dos Estados Unidos, terá dezanove anos, é um rapaz fechado, sozinho, olha para baixo, tem o belíssimo rosto de Rui Gomes, e a belíssima voz grave do Norberto Barroca, que o dobrou. E o filme narra o seu encontro com a criada espevitada do prédio ao lado, a Ilda, que para sempre será essa extraordinária Isabel Ruth.
"Vi Verdes Anos dois ou três dias depois da estreia, numa matinée do São Luiz (eu tinha quinze anos, não saía ainda noite fora, noite de todos os vícios), voltei para casa no eléctrico e voltei zonzo (ainda não fumava cigarros Porto, isso foi no ano a seguir)."
Até Terça!
"Todo o filme é um nascer de lua num céu ainda claro de anoitecer."
Já Jorge Silva Melo, que viu o filme na adolescência, escreveu para o jornal Sol em 2007 que "até terá havido filmes que vi mais vezes, Os Pássaros de Hitchcock, Rio Bravo de Hawks, Viagem em Itália de Rossellini, O Desprezo de Godard; até haverá filmes que insisto em guardar como só meus, A Rapariga da Mala de Zurlini, Duas Semanas Noutra Cidade de Minnelli; mas talvez nenhum filme, dos muitos que vi, me tenha rasgado mais o céu do possível do que este pequeno filme juvenil, inseguro, tímido e lírico de Paulo Rocha, filme feito aos vinte e cinco anos (o Paulo nasceu em Dezembro de 1936, o filme traz a data de 1963).
"A história é a de uma chegada à cidade, a uma cidade que mudava, que se construía. Júlio, o jovem que vem da província para a Lisboa moderna da Avenida dos Estados Unidos, terá dezanove anos, é um rapaz fechado, sozinho, olha para baixo, tem o belíssimo rosto de Rui Gomes, e a belíssima voz grave do Norberto Barroca, que o dobrou. E o filme narra o seu encontro com a criada espevitada do prédio ao lado, a Ilda, que para sempre será essa extraordinária Isabel Ruth.
"Vi Verdes Anos dois ou três dias depois da estreia, numa matinée do São Luiz (eu tinha quinze anos, não saía ainda noite fora, noite de todos os vícios), voltei para casa no eléctrico e voltei zonzo (ainda não fumava cigarros Porto, isso foi no ano a seguir)."
Até Terça!
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