sexta-feira, 22 de abril de 2022

Splendor in the Grass (1961) de Elia Kazan



por José Amaro

Este é o filme que inspirou o título do nosso ciclo de cinema deste mês de abril, “O clamor do sexo”. Foi este o nome que o Brasil, muito apropriadamente, deu a Esplendor na Relva
 
É uma das histórias de amor mais bem passadas para o cinema do que decorre um dos filmes mais belos de sempre. Sendo assim, ou mais ou menos assim, como foi possível uma tão má receção por parte do público, dos públicos já que esta receção aconteceu em todo o lado? O que é mais estranho é o facto da própria crítica o ter recebido mal. 

A beleza deste filme, para além da magnífica interpretação de Natalie Wood (Deanie) e do estreante Warren Beatty (Bud), arrisco dizer que ninguém como eles nos poderia representar as grandes questões que a dupla Elia Kazan, o realizador e William Inge, argumentista, nos trazem neste Esplendor na Relva

Estas questões, interligadíssimas, têm a ver com obediência castradoramente opressiva, aos pais (à mãe de Deanie e ao pai de Bud), que lhes dificulta, irreparavelmente, uma passagem normal à idade adulta. São estas questões centrais que declinam na mais importante de todas e que se pode traduzir numa privação de uma vida, a perda de algo inestimável. A perda de um primeiro amor que será primeiro e último. 

O caminho percorrido por ambos, Deanie e Bud, é um caminho tortuoso, pois percorre-se entre a obediência e a luta pela desobediência. Para qual deles o mais difícil já que o pai de Bud oprime pela ambição de fazer do filho um vencedor no mundo dos negócios, filho que quer apenas ter um rancho onde possa ser agricultor e ter uma vida normal. Para Deanie, que apenas quer ser feliz já e para sempre. 

É evidente que, para ambos, a forma de ultrapassar as suas dificuldades obriga-os a ultrapassar o quadro mental dos pais, tão coarctadores que são através de uma desmesurada exigência, para quem só há dois tipos de mulheres, as puras e as outras. 

Bud e a Deanie não conseguem dizer um ao outro as tantas coisas que querem dizer. Eles vão calando tudo deixando-se corroer pelos silêncios devidos à opressão dos pais. Mas é esse calar que nos faz entender tudo o que querem dizer. Digamos que nos dizem tudo com este inconseguimento em expressarem-se. É ao fazê-lo que ambos dão ao filme momentos de enorme beleza. 
 
Mas, voltemos ao início, 

What though the radiance
Apesar de a luminosidade
which was once so bright
outrora tão brilhante
Be now for ever taken from my sight, 
Estar agora para sempre afastada do meu olhar,
Though nothing can bring back the hour 
Ainda que nada possa devolver o momento
Of splendour in the grass, 
Do esplendor na relva,
of glory in the flower, 
da glória na flor,
We will grieve not, rather find 
Não nos lamentaremos, inspirados
Strength in what remains behind; 
no que fica para trás;
In the primal sympathy 
Na empatia primordial
Which having been must ever be; 
que tendo sido sempre será;
In the soothing thoughts that spring 
Nos suaves pensamentos que nascem
Out of human suffering; 
do sofrimento humano;
In the faith that looks through death, 
Na fé que supera a morte,
In years that bring the philosophic mind. 
Nos tempos que anunciam o espírito filosófico.

(tradução de Catarina Belo) 
 
...porque o início foi este poema de William Wordsworth ao inspirar Elia Kazan para o filme com o mesmo título: Splendor in the Grass. Chegado aqui, não resisto, porque não sei dizer melhor, a transcrever um trecho da folha da Cinemateca, escrita pelo fabuloso João Bénard da Costa: 
 
“Numa aula (aquelas aulas em que Natalie Wood entra sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul), o tema em vez de ser, dessa vez, o dos Cavaleiros da Távola Redonda, é Wordsworth e a “Ode of Intimation to Immortality”. Quando Natalie Wood entra na aula, de vestido grenat muito escuro, e gola de rendas, já todas sabem - e ela também, embora ninguém lho tenha dito - o que se passou entre Bud e Juanita. E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quer dizer com os versos famosos: “No, nothing can bring back the hour/ the splendor in the grass, the glory in the flower”. Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta, ou - a esse nível - só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que conta, não é nada disso que o poeta quis dizer. 
O que conta, o que o poeta quis dizer, é aquele espantoso travelling que põe Deannie diante da professora, depois o outro que nos atira com uma porta na cara e, por fim, o plano em que a vemos, sozinha, na profundidade de campo do corredor, até ir parar à enfermaria: Nesse minuto de cinema sabemos, para além das palavras, que “that radiance that was once so bright / Is now forever taken from my sight”. Essa radiance que existiu entre o plano inicial (a primeira visão da catarata, “I’m afraid, oh Bud”) até essa outra sequência da catarata, já sem ela, quando Bud saciou no corpo de outra o desejo de que essas cataratas são a mais poderosas das metáforas. O splendor in the grass é o que vimos até essa aula” 
 
Também é verdade que o filme, embora da década de 1960, reporta ao final da década de 1920, quando tudo, petróleo, Bolsa de Valores, Indústria etc, só tinha um caminho, o caminho do crescimento. Mas, para a economia de interesses desta folha de sala, nada disto me importa, o que importa é o Clamor do sexo, que os castradores pais “proibiram” levando os filhos a uma perda de algo extremamente valioso ...uma vida de felicidade que, como é confessado por ambos (Deanie e Bud) no último diálogo do filme: eles já não pensam nessa coisa da felicidade...vão apenas viver. 
 
Mas foi ou não a vida que lhes roubaram?

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