por António Cruz Mendes
O início da Grande Guerra de 1914, uma guerra pela partilha do mundo entre as
grandes potências imperialistas, iniciou-se no meio de um grande fervor nacionalista.
Foi num ambiente de festa que partiram os primeiros comboios que conduziam os
soldados às frentes de batalha de uma guerra que ambas as partes prometiam que
seria rápida e terminaria em glória. Será essa “a grande ilusão” que o filme de Renoir
denuncia?
Renoir não ignora a persistência dos sentimentos patrióticos – veja-se a cena onde os
prisioneiros interrompem o espectáculo que tinham encenado para entoar em coro “A
Marselhesa” quando é anunciada a reconquista de Douamont, nem a sobrevivência de
uma antiga ética militar – os aviadores franceses são acolhidos cavalheirescamente
pelo oficial alemão que os abateu, nem a camaradagem que se fortalece entre as
vítimas desses tempos de infortúnio – bem evidente no ambiente das casernas do
campo de concentração. Contudo, A Grande Ilusão é, antes de tudo, um filme pacifista
que salienta o despropósito da guerra, ao mesmo tempo que nos revela a persistência
das afinidades e das oposições de classe. A empatia que De Boeldieu tem com Von
Rauffenstein não encontra nenhum paralelo com o tipo de relação que existe entre ele e
Maréchal. E o mesmo muro que se ergue, palavras de Maréchal, entre ele e De Boeldieu,
separam também o aristocrata francês e Rosenthal, judeu, dono de uma casa de alta-costura e filho de um banqueiro. Do outro lado desse muro, os soldados franceses e
alemães, presos e carcereiros, reconhecem-se como camaradas. Não foi por acaso
que, nas vésperas de uma nova guerra mundial, Mussolini impediu que lhe fosse
atribuído o Leão de Ouro, no Festival de Veneza, em 1937, ou que Goebbels, o ministro
da propaganda da Alemanha nazi, tivesse considerado o filme de Renoir “um inimigo
cinematográfico”.
A Grande Ilusão foi, dos filmes de Renoir, aquele que obteve um maior sucesso de
bilheteira. Terão contribuído para isso a sua sempre presente faceta humorística, as
cenas da pantomina encenadas no campo de concentração, a visão nostálgica de um
mundo que acaba, as aventurosas tentativas de fuga, a impossível história de amor de
Maréchal… Como noutros filmes seus, tudo se encadeia num caleidoscópio de
histórias e emoções que vão da comédia, à tragédia e ao drama. No entanto, e apesar
disso, não foram apenas as autoridades fascistas que o viram com desconfiança e, em
1946, o filme sofreu cortes que só mais tarde foram revertidos. Afinal, talvez se falasse
demais em alemão e os soldados alemães talvez estivessem demasiado
humanizados…
Diz-se no filme que a natureza não reconhece fronteiras e que, um dia, talvez, o amor
prevaleça e as guerras possam ter fim. Mas, não será essa, também, uma “grande
ilusão”?
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