quarta-feira, 7 de junho de 2023

La grande illusion (1937) de Jean Renoir



por António Cruz Mendes

O início da Grande Guerra de 1914, uma guerra pela partilha do mundo entre as grandes potências imperialistas, iniciou-se no meio de um grande fervor nacionalista. Foi num ambiente de festa que partiram os primeiros comboios que conduziam os soldados às frentes de batalha de uma guerra que ambas as partes prometiam que seria rápida e terminaria em glória. Será essa “a grande ilusão” que o filme de Renoir denuncia? 

Renoir não ignora a persistência dos sentimentos patrióticos – veja-se a cena onde os prisioneiros interrompem o espectáculo que tinham encenado para entoar em coro “A Marselhesa” quando é anunciada a reconquista de Douamont, nem a sobrevivência de uma antiga ética militar – os aviadores franceses são acolhidos cavalheirescamente pelo oficial alemão que os abateu, nem a camaradagem que se fortalece entre as vítimas desses tempos de infortúnio – bem evidente no ambiente das casernas do campo de concentração. Contudo, A Grande Ilusão é, antes de tudo, um filme pacifista que salienta o despropósito da guerra, ao mesmo tempo que nos revela a persistência das afinidades e das oposições de classe. A empatia que De Boeldieu tem com Von Rauffenstein não encontra nenhum paralelo com o tipo de relação que existe entre ele e Maréchal. E o mesmo muro que se ergue, palavras de Maréchal, entre ele e De Boeldieu, separam também o aristocrata francês e Rosenthal, judeu, dono de uma casa de alta-costura e filho de um banqueiro. Do outro lado desse muro, os soldados franceses e alemães, presos e carcereiros, reconhecem-se como camaradas. Não foi por acaso que, nas vésperas de uma nova guerra mundial, Mussolini impediu que lhe fosse atribuído o Leão de Ouro, no Festival de Veneza, em 1937, ou que Goebbels, o ministro da propaganda da Alemanha nazi, tivesse considerado o filme de Renoir “um inimigo cinematográfico”. 

A Grande Ilusão foi, dos filmes de Renoir, aquele que obteve um maior sucesso de bilheteira. Terão contribuído para isso a sua sempre presente faceta humorística, as cenas da pantomina encenadas no campo de concentração, a visão nostálgica de um mundo que acaba, as aventurosas tentativas de fuga, a impossível história de amor de Maréchal… Como noutros filmes seus, tudo se encadeia num caleidoscópio de histórias e emoções que vão da comédia, à tragédia e ao drama. No entanto, e apesar disso, não foram apenas as autoridades fascistas que o viram com desconfiança e, em 1946, o filme sofreu cortes que só mais tarde foram revertidos. Afinal, talvez se falasse demais em alemão e os soldados alemães talvez estivessem demasiado humanizados… 

Diz-se no filme que a natureza não reconhece fronteiras e que, um dia, talvez, o amor prevaleça e as guerras possam ter fim. Mas, não será essa, também, uma “grande ilusão”?



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