quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Summer of '42 (1971) de Robert Mulligan



por João Palhares

Vindo da televisão como o Arthur Penn de The Chase, Sidney Lumet, o Bob Rafelson cujo influente e belíssimo Five Easy Pieces vimos a semana passada, Larry Cohen, William Friedkin, John Frankenheimer ou Daniel Petrie, trabalhando em séries como Suspense (1949-1954), The Philco Television Playhouse (1948-1955), The Alcoa Hour (1955-1957), Studio One (1948-1958), DuPont Show of the Month (1957-1961) e Playhouse 90 (1956-1960), Robert Mulligan contou que “havia um grupo nosso: Sidney Lumet, Arthur Penn, John Frankenheimer, eu. A ideia cativante por trás da televisão ao vivo nessa altura era contar uma história através de pessoas e linguagem. O diálogo era crucial. Aprendemos todos a lidar com escritores e estávamos todos enraizados na literatura, quer fosse literatura do palco ou só literatura, ponto. Havia um foco enraizado sobre o que era drama e o que não era, o que era narrativa e o que não era, isso não era tão dependente de imagem para imagem. Encaremo-lo: em televisão ao vivo nessa altura tinha que se contar uma história e tinha que ser sobre pessoas, porque não se podia sair para fazer perseguições automóveis. E podia-se pousar uma câmara calmamente num rosto humano, de forma discreta, e deixar algo acontecer. Deus sabe que Ingmar Bergman deu uso maravilhoso a essa técnica simples, honesta. De qualquer maneira, foi essencialmente daí que todos viemos. Historicamente, estávamos a fazer o que tinha que ser feito. É estranho, também, o quão ligados estávamos. Eu trabalhei como assistente do Sidney em três ou quatro programas. O Johnny Frankenheimer trabalhou como meu assistente e foi um assistente maravilhoso e um grande realizador, claro. E Arthur Penn veio de lá, também. Portanto acho que nos damos num círculo comum, compreendemo-nos uns aos outros.” 

Em 1957, Mulligan realiza Fear Strikes Out, história de um jogador de baseball que tem que lidar com a bipolaridade e com as esperanças exageradas do pai na sua carreira e no seu sucesso - que já tinha sido adaptada para a televisão num episódio da primeira temporada de Climax! (1954-1958), com Tab Hunter no papel que Anthony Perkins interpretaria no filme. O produtor foi Alan J. Pakula, com quem Mulligan formou uma companhia de produção responsável pela maior parte dos seus filmes até The Stalking Moon (1968), western com Gregory Peck e Eva Marie Saint (nossos conhecidos de David and Bathsheba e Exodus). O primeiro foi To Kill a Mockingbird (1962), conto de amadurecimento com a segregação e a injustiça sulista como plano de fundo e interpretado também por Gregory Peck, ao qual se seguiram Love with the Proper Stranger (1963), passeio urbano de Natalie Wood e Steve McQueen alimentado pelo amor que sentem um pelo outro e em que as ruas tomam vida e se tornam palco de riscos cegos e impulsos belos pela mão de Mulligan, Baby the Rain Must Fall (1965), outro filme com McQueen, em que combate a sua própria natureza enquanto tenta ter sucesso a cantar, a escrever música e também a deixar a bela Lee Remick entrar na sua vida, Inside Daisy Clover (1965), olhar sobre os bastidores de Hollywood nos anos 30 outra vez com Natalie Wood e com Robert Redford nos papéis principais e Up the Down Staircase (1967), retrato realista e sofrido de uma professora acabada de sair da universidade e que dá logo de caras com o mundo, atirando-se de cabeça às feras. 

É possível que a segunda parte da carreira do realizador tenha sido eclipsada (injustamente) pelo sucesso de Alan J. Pakula como realizador, à semelhança do que aconteceu por exemplo com Stanley Kubrick e James B. Harris (quem se lembra do segundo?). Colaborando habitualmente com as mesmas pessoas, associado a Pakula (Elmer Bernstein assinou a maior parte das bandas-sonoras, Aaron Stell montou quase todos os filmes, repetiram-se actores, argumentistas, directores de fotografia...) é também possível que se tenha desconfiado da obra posterior de Mulligan por não ter mantido associações e ter trabalhado com diferentes colaboradores ao longo dos anos (ainda assim, convém notar que se agarrou a alguns directores de montagem por dois ou três filmes seguidos). Robin Wood, na entrada de Robert Mulligan e Alan J. Pakula em Cinema – A Critical Dictionary, dissertando sobre a relação entre os dois, escreveu mesmo que “a comparação mais reveladora é entre The Sterile Cuckoo, realizado por Pakula, e Summer of '42 (1971), realizado por Mulligan sem Pakula. Ambos se preocupam com as dores da adolescência, mas onde Mulligan cede facilmente às suas personagens (e, pior, ao seu público), explorando a sua 'fofura', convidando a uma resposta superior e nostálgica ao mesmo tempo, Pakula não satisfaz ninguém nem suaviza nada: não somos encorajados nem a rir de forma condescendente das manias e das inadequações dos seus adolescentes nem a desejar que pudéssemos 'viver tudo outra vez'.” Mas Mulligan não era Mulligan se não se deixasse levar pelas suas personagens, se não lhes prestasse toda a atenção e tentasse perceber o que é que as move. 

As corridas desenfreadas e impulsivas das personagens de Mulligan não se esquecem. Seja Reese Witherspoon nos arredores da sua casa no Louisiana, atrás do vizinho em The Man in the Moon (1991), ou Richard Gere a subir as escadas do local de construção onde estão o pai e o tio, carregado de cabos de electricidade e cafés em Bloodbrothers (1978), numa vertigem absolutamente necessária e que tem que ceder à personagem porque é indissociável dela e dos objectivos do filme. A câmara percorre as ruas da cidade da família DeCoco a uma velocidade torrencial no início do filme porque é também a essa velocidade que o jovem tem que tomar as suas decisões. Tal como a personagem de Michael Sarrazin em The Pursuit of Happiness (1970), que tem uma lei que não lhe dá o benefício da dúvida no seu encalço e sente que tem de fugir, ou o Cooper de The Nickel Ride (1974) que tem a máfia atrás dele e também corre e também foge. Sem forçar sequer esta velocidade, o que interessa a Mulligan é observar e acompanhar as personagens durante todo o filme para no fim tirar as suas conclusões, com paciência e generosidade. Privilegia os jovens que têm que crescer em pouco tempo e nesse pouco tempo viver uma vida inteira, fazendo as escolhas que irão moldar as suas vidas desses dias em diante. Natalie Wood, grávida em Love with the Proper Stranger, atrás de Steve McQueen, depois de uma noite juntos e sem que este a reconheça, para que ele assuma as suas responsabilidades; Sandy Dennis a andar pelos corredores atulhados e perigosos de Up the Down Staircase e a tentar fazer alguma coisa de si e dos seus alunos confusos e tanto tempo negligenciados... 

É nesse filme, de resto, que a professora dá a ler aos jovens a primeira frase de A Tale of Two Cities, de Charles Dickens, de quem Mulligan confessou ser o maior fã e o provou ao abrir Summer of ’42 com a sua própria voz, como Hermie envelhecido. Diz ele: “for no person I’ve ever known has ever done more to make me feel more sure, more insecure, more important and less significant...” Podia ser “It was the best of times, it was the worst of times...” A dada altura, Mulligan dá-nos a ver esse Hermie inocente a correr pelas cercanias da sua casa e a esmurrar ao vento num plano fabuloso, furioso com nada e com tudo. Até chegar essa cena enorme, bem densa e sem quaisquer palavras na cabana, de noite e de noite na alma, só com o som das ondas e da agulha de um gira-discos já sem música, regada com o whisky e os cigarros que vão enganando a imensa tristeza de Dorothy, que Hermie deixa a fumar e a chorar no alpendre com os olhos postos no mar... 

E as dúvidas e a confusão dissipam-se, quando Hermie ouve o amigo a queixar-se por se queixar e percebe que há dores e terrores bem mais horríveis e impronunciáveis do que os que sentem os miúdos...

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