sábado, 10 de setembro de 2016

26ª sessão: dia 13 de Setembro (Terça-Feira), às 21h30


Mais do que o Vietname e os seus estilhaços em surdina (e este pode ser o filme nuclear sobre essa dor calada, intransmissível e resolutamente cravada como as chagas internas que assolaram uma época) Five Easy Pieces escancara lentamente as solidões antiquíssimas reservadas a todos os Homens que as despertem; e logo fala do encaixe de cada um em cada espaço e tempo; existência, coexistência e a constante irresolução da nossa condição. É a sessão da próxima Terça-Feira. 

É também um dos mais doridos lamentos - em filigrana e inscrito nos rostos e movimentos dos seus protagonistas - que o cinema teceu, elevou Jack Nicholson ao patamar dos muito grandes, tratou Karen Black como uma criatura imensamente mais complexa do que a sua aparência pode fazer crer, e acolheu a paisagem Americana como órgão indissociável de todo esse corpo em que mal-estar e horizonte lutam desalmadamente, com as cores e o grão da fabulosa câmara de László Kovács. Bob Rafelson, que admirava Antonioni e os grandes cineastas Europeus da altura, olhou tudo com a humildade de um trabalhador sério a dar no duro (ou tarefeiro sem margem para dúvidas) e com a disponibilidade de um genuíno humanista.

Sobre o filme e sobre o seu processo, Bob Rafelson disse que "para escrever uma personagem, tenho que ver a personagem, não o actor. O grande prazer é ver tão nitidamente que se tem mesmo uma personagem - não apenas diálogo, não apenas uma história - que se pode cheirar. Conhece-se mesmo a pessoa. E depois vem o actor e faz-nos mudar de ideias, é o que o torna emocionante - o actor ser melhor que a nossa concepção.

"Tome-se Karen Black (Rayette Dipesto) no início de Five Easy Pieces. Quando a vemos pela primeira vez, ela está sentada no lavatório a pôr batom, certo? Estava-me a preparar para filmar uma cena em que a personagem de Jack Nicholson (Robert Eroica Dupea) volta dos campos de petróleo e entra em casa. É assim que somos apresentados ao seu estilo de vida actual e à mulher com quem está a viver. Mas Karen está sentada no lavatório a pôr a maquilhagem dela. Bem, ninguém se senta no lavatório para pôr maquilhagem. Eu disse, fica aí e vou filmar. E isso foi a Karen. É assim que ela entra no filme."

Sobre Jack Nicholson, o realizador disse que "quando escrevemos o meu primeiro filme juntos, Head, e o produzimos juntos, na altura Jack tinha desistido de ser actor. Eu e ele interpretávamos os diálogos todos, a eu não conseguia tirar os meus olhos dele. Eu disse, "Porque é que não és mais actor?" E ele disse, "Estou cansado disso. Fico sempre com os papéis secundários de merda, não os principais, e é sempre em filmes convencionais." Então eu disse, "Bom, não o próximo. Quero que sejas o actor principal no próximo." Isso foi Five Easy Pieces, mas entretanto eu produzi Easy Rider.

"Rip Torn era para interpretar o papel (de George Hanson) e eu estava com um bocado de medo de dizer a Dennis Hopper que Jack Nicholson devia interpretar o papel, porque queria a emoção de o descobrir eu. Não queria que mais ninguém o conseguisse. Isso foi muito estúpido. E, muito sinceramente, se o Jack não tivesse entrado em Easy Rider, o meu filme não tinha sido o sucesso que foi. Ele apareceu mesmo no momento certo para dar um empurrão extraordinário a Five Easy Pieces."

Até Terça-Feira!

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