Demoramos a chegar à primeira longa-metragem de Charlie Chaplin, também ela envolta em grandes demoras e muitos receios por parte dos investidores devido a essas mesmas demoras - o tempo necessário a Chaplin para chegar aos resultados que se vêem no ecrã. The Kid é então a nossa próxima sessão, no ecrã grande do Braga Shopping, e será apresentada em vídeo pelo diplomata brasileiro José Roberto Rocha, que já nos apresentou Copland em Junho do ano passado.
Gerald Mast, no capítulo dedicado a Chaplin de The Comic Mind, escreveu que "em The Kid (1921), Chaplin regressa a um material menos irónico e mais sentimental. No centro do filme está a relação entre Charlie e Jackie Coogan, uma criança pequena que, como Scraps em Vida de Cão, é um substituto mais pequeno de Charlie. Embora os críticos admirem o amor e a ternura na relação de Charlie com o seu filho adoptivo, também encontram falhas graves com o tratamento melodramático do filme em relação à mãe solteira do miúdo, bem como o sonho irónico em que a favela de Charlie se transforma num paraíso branco cor de pérolas. Mas embora a relação Jackie-Charlie seja o centro emocional do filme, o tema dele não é esse. Descartar as outras secções do filme como irrelevantes é perder a unidade pretentida. Como Sunnyside, The Kid contrasta a teoria moral e social com a prática humana.
"O tema de The Kid é o amor familiar e paternal. É um tema sobre o qual Chaplin, privado deste amor, obviamente tinha sentimentos profundos. O filme começa com a mãe e o pai físicos porque Chaplin quer contrastar as definições ofiçiais da paternidade "legítima" com definições mais genuínas e humanas. Segundo a sociedade, a mãe e o pai têm que ser casados—daí a secção de abertura que mostra Edna a ser rejeitada pela sociedade como mãe solteira, e a assistir a um casamento de dois futuros pais legítimos. Ironicamente, este casamento une uma jovem bonita a um bode velho e rico. A cerimónia social define como legítimo o que é ilegítimo e imoral em termos humanos. A mãe sente-se tão ilegítima e tão culpada que se livra da criança—embora a ame—e até contempla o suicídio. Ironicamente, ela deixa a criança num carro luxuoso (quer-lhe dar um "bom lar"), que depois é roubado. Os dois criminosos em fuga depositam a criança numa pilha de lixo. Esta equação metafórica entre criança e lixo não é acidente nenhum. A definição social da criança como "ilegítima" não lhe dá esperança por um futuro mais rico."
Louis Skorecki, para o Libération, escreveu que "é em 1921 que Charlie Chaplin realiza por fim a sua primeira longa-metragem, o Kid, que conhecerá um sucesso fulgurante. O pequeno vagabundo burlesco já tinha preocupado bastante os seus patrocinadores: demora um ano inteiro a parir este filme. O mais milagroso, é que nada da gestação penosa do filme transparece no ecrã. Pelo contrário, há uma fluidez incrível de narração, uma transparência tal que se diria que Chaplin acabou o filme em três semanas. A história é bem conhecida: uma mulher à beira da depressão (Edna Purviance) abandona o seu bebé. Charlot, que passa por lá, apodera-se da pequena coisa enrodilhada e não consegue livrar-se mais dela. Um agente da polícia obriga-o a manter a criança. Cinco anos depois, o bebé transforma-se em kid, uma versão em miniatura do vagabundo. Interpretado pelo adorável Jackie Coogan, o miúdo usa um boné deliciosamente traquina e parte os vidros das casas que o seu pai vem de seguida propor-se a substituir. As aventuras do vidraceiro e do seu filho alimentam todo o início da história de gags aguçados. Porque é que Chaplin é tão comovente? Se estivermos bem atentos, parece que é porque ele ousa olhar frequentemente para a câmara de frente, injectando desse modo uma dose considerável de realidade no seu cinema. Nos anos heróicos da cinefilia francesa (1953-1968), era de bom tom denegrir as alegrias popular de Chaplin e preferir, em vez dele, a comédia altiva e geométrica de Buster Keaton. Certo que os filmes de Chaplin eram vulgares e populistas de um ponto de vista estético. São filmes impuros, que actuam em vários terrenos, misturando de boa vontade os géneros, passando do puro slapstick ao puro melodrama, do burlesco ao sentimental. Hoje em dia, estaremos prestes a preferir o impuro Chaplin ao etéreo Keaton. Ele prova neste Kid maravilhoso que a arte da infância é tão difícil de inventar como a infância da arte. Que as crianças são os deuses escondidos de um cinema novo, esplendidamente bastardo."
Gerald Mast, no capítulo dedicado a Chaplin de The Comic Mind, escreveu que "em The Kid (1921), Chaplin regressa a um material menos irónico e mais sentimental. No centro do filme está a relação entre Charlie e Jackie Coogan, uma criança pequena que, como Scraps em Vida de Cão, é um substituto mais pequeno de Charlie. Embora os críticos admirem o amor e a ternura na relação de Charlie com o seu filho adoptivo, também encontram falhas graves com o tratamento melodramático do filme em relação à mãe solteira do miúdo, bem como o sonho irónico em que a favela de Charlie se transforma num paraíso branco cor de pérolas. Mas embora a relação Jackie-Charlie seja o centro emocional do filme, o tema dele não é esse. Descartar as outras secções do filme como irrelevantes é perder a unidade pretentida. Como Sunnyside, The Kid contrasta a teoria moral e social com a prática humana.
"O tema de The Kid é o amor familiar e paternal. É um tema sobre o qual Chaplin, privado deste amor, obviamente tinha sentimentos profundos. O filme começa com a mãe e o pai físicos porque Chaplin quer contrastar as definições ofiçiais da paternidade "legítima" com definições mais genuínas e humanas. Segundo a sociedade, a mãe e o pai têm que ser casados—daí a secção de abertura que mostra Edna a ser rejeitada pela sociedade como mãe solteira, e a assistir a um casamento de dois futuros pais legítimos. Ironicamente, este casamento une uma jovem bonita a um bode velho e rico. A cerimónia social define como legítimo o que é ilegítimo e imoral em termos humanos. A mãe sente-se tão ilegítima e tão culpada que se livra da criança—embora a ame—e até contempla o suicídio. Ironicamente, ela deixa a criança num carro luxuoso (quer-lhe dar um "bom lar"), que depois é roubado. Os dois criminosos em fuga depositam a criança numa pilha de lixo. Esta equação metafórica entre criança e lixo não é acidente nenhum. A definição social da criança como "ilegítima" não lhe dá esperança por um futuro mais rico."
Louis Skorecki, para o Libération, escreveu que "é em 1921 que Charlie Chaplin realiza por fim a sua primeira longa-metragem, o Kid, que conhecerá um sucesso fulgurante. O pequeno vagabundo burlesco já tinha preocupado bastante os seus patrocinadores: demora um ano inteiro a parir este filme. O mais milagroso, é que nada da gestação penosa do filme transparece no ecrã. Pelo contrário, há uma fluidez incrível de narração, uma transparência tal que se diria que Chaplin acabou o filme em três semanas. A história é bem conhecida: uma mulher à beira da depressão (Edna Purviance) abandona o seu bebé. Charlot, que passa por lá, apodera-se da pequena coisa enrodilhada e não consegue livrar-se mais dela. Um agente da polícia obriga-o a manter a criança. Cinco anos depois, o bebé transforma-se em kid, uma versão em miniatura do vagabundo. Interpretado pelo adorável Jackie Coogan, o miúdo usa um boné deliciosamente traquina e parte os vidros das casas que o seu pai vem de seguida propor-se a substituir. As aventuras do vidraceiro e do seu filho alimentam todo o início da história de gags aguçados. Porque é que Chaplin é tão comovente? Se estivermos bem atentos, parece que é porque ele ousa olhar frequentemente para a câmara de frente, injectando desse modo uma dose considerável de realidade no seu cinema. Nos anos heróicos da cinefilia francesa (1953-1968), era de bom tom denegrir as alegrias popular de Chaplin e preferir, em vez dele, a comédia altiva e geométrica de Buster Keaton. Certo que os filmes de Chaplin eram vulgares e populistas de um ponto de vista estético. São filmes impuros, que actuam em vários terrenos, misturando de boa vontade os géneros, passando do puro slapstick ao puro melodrama, do burlesco ao sentimental. Hoje em dia, estaremos prestes a preferir o impuro Chaplin ao etéreo Keaton. Ele prova neste Kid maravilhoso que a arte da infância é tão difícil de inventar como a infância da arte. Que as crianças são os deuses escondidos de um cinema novo, esplendidamente bastardo."
No maior dos Dicionários, Jacques Lourcelles escreveu que é a "primeira longa-metragem realizada por Chaplin. É também o começo da sua completa e plena liberdade autoral e das suas condições de trabalho absolutamente fora do comum, isto é, livres de quaisquer restrições financeiras, que vai manter até ao Ditador. Aqui, a rodagem prolongar-se-á por um ano (para grande desagrado dos accionistas da First National, depois amplamente compensados pelas suas ansiedades). Imprimir-se-á uma metragem colossal de película para chegar às seis bobinas finais. O filme já não tem quase nada que ver com o burlesco: trata-se de uma comédia sentimental e, em certas sequências, de um melodrama puro. Para o público, o choque emocional do Kid foi considerável. Isso deve-se principalmente ao tema: encontro de duas solidões, de dois órfãos, um adulto e o outro criança; às qualidades da interpretação: o talento de Chaplin e o de Jackie Coogan equilibram-se perfeitamente sem nunca se prejudicarem um ao outro; à dosagem inteligente entre o riso e as lágrimas. Não deve ser esquecida uma outra razão essencial para o sucesso do filme : nunca o carácter recorrente da personagem central serviu tão bem um filme. Foi tudo o que o espectador sabia de um herói conhecido e frequentado, agora, há sete anos, foi tudo aquilo de que gostava em Charlot, que, em The Kid, abriu tão generosamente as válvulas da emoção. A memória do público tornou-se cúmplice e parceira do realizador para desmultiplicar as virtudes da sua obra. Vai ter lugar um fenómeno da mesma ordem, mais tarde, com a trilogia marselhesa de Pagnol.
"N.B. Alguns planos e cenas simbólicas e melodramáticas com Edna Purviance (como aquela em que ela assiste a um casamento entre um velho e uma rapariga) desapareceram da maior parte das cópias reeditadas nos anos 70."
Até Terça-Feira!
Até Terça-Feira!