sábado, 21 de julho de 2018

106ª sessão: dia 24 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


A nossa próxima sessão, a fechar o pequeno ciclo dedicado a Pedro Costa, será a última longa-metragem do realizador, Cavalo Dinheiro, deambulação tão realista como expressionista pelas memórias de Ventura, do terror e da solidão durante o 25 de Abril à descida pelo elevador que pode ser a purga de todos os seus males e de todas as suas dúvidas, pensando no belo título internacional que a sequência teve quando fez parte do filme colectivo Centro Histórico: Sweet Exorcist. Cavalo Dinheiro vai ser exibido nos cinemas do Braga Shopping e será apresentado em vídeo por Rui Chafes, a quem muito agradecemos.

Em entrevista para a Film Comment, Costa fala do envolvimento de "Gil Scott-­Heron. Ele era um poeta, rapper e músico negro americano, muito, muito activo nos anos setenta, oitenta, noventa, e depois fez um regresso com um álbum. Foi o pai de uma data de rappers—bom, dos rappers politicamente conscientes. Eles devem-lhe tudo. E ele era muito parecido com o Ventura, fisicamente. Uma dia eu estava em Nova Iorque e pedi a um amigo que o conhecia, e disse: “Era óptimo pô-los a falar!” Porque o Ventura não fala inglês nenhum, e o Gil não sabia falar português. Então mostrei-lhe os meus filmes, e ele telefonou-me e disse: “Gosto disto. Vamo-nos reunir.” Ele ia tocar a Lisboa portanto eu fui ter com ele, e propus-lhe [a minha ideia], e ele disse que sim.

"Era suposto ele escrever o que se vê hoje no filme—provavelmente a montagem com as pessoas no bairro, esta viagem através da noite. Era suposto essa primeira versão ser escrita por ele, com música dele, e talvez rodada no mesmo sítio… Ou talvez não. Mas tê-lo-ia como actor. Era assim que a primeira versão devia ser. Mas depois ele morreu. Isso foi à volta de dois anos. Esse foi o primeiro golpe. Portanto depois ataquei a sequência do elevador, que era bem grande e difícil por si. Filmámos isso durante três ou quatro meses."

Carlos Melo Ferreira, que nos apresentou Juventude em Marcha a semana passada, escreveu no seu antigo blog que "assombrado no tempo é como Ventura nos aparece em Cavalo Dinheiro, o mais recente filme de Pedro Costa (2014). Conhecido de filmes anteriores, ele encontra a sua origem remota em Leão/Isaach De Bankolé de Casa de Lava (1994), o filme que, ainda antes da "trilogia das Fontainhas", levou pela primeira vez o cineasta ao contacto com os cabo-verdeanos. Agora doente dos nervos, Ventura encontra-se hospitalizado, e é pela sua identificação perante o médico, logo a seguir às fotografias de Jacob Riis (1849-1914) que estabelecem a linha de rumo (ou o fio de prumo) para o que se vai seguir, que o filme se inicia.

"É mesmo neste filme que, depois das curtas-metragens The Rabbit Hunters e Tarrafal (2007), se percebe melhor a sempre falada influência de Jacques Tourneur nos filmes do cineasta, pois é um assombrado, espectral Ventura que recorda o seu passado e faz Vitalina recordar o dela. Ele é mesmo uma personagem típica dos filmes de Pedro Costa, alguém que vive à margem, esquecido pela liberdade e pela democracia, presa da sua miséria e do seu abandono, entregue às suas memórias que por vezes o levam a situar-se em 1974-75.

"A escolha de personagens fora dos circuitos habituais no cinema e na televisão permite ao cineasta mais uma vez deambular com elas e a partir delas, desta feita não apenas pelos espaços físicos presentes mas também pelos espaços mentais - e é justamente isso que faz com que Cavalo Dinheiro seja o filme de Pedro Costa que mais directamente mostra a influência de António Reis."

No livro que acompanha a edição em DVD de Cavalo Dinheiro (com tradução de Maria João Madeira), Chris Fujiwara pergunta "sobre o que é Cavalo Dinheiro? A dificuldade em responder a esta pergunta talvez seja já uma resposta: através da sua estrutura e do conteúdo dos seus diálogos, o filme de Pedro Costa investiga a possibilidade de falar sobre a experiência e tornar inteligível e comunicável algo que aconteceu. Não se pode dizer que o filme consiga tal objectivo a não ser de uma maneira paradoxal. Este paradoxo surge do facto de o espaço de Cavalo Dinheiro, um hospital que é possivelmente um hospital psiquiátrico, ou seja, um espaço que foi concebido para permitir algo como uma “cura pela fala”, já anuncia que aqui tudo e nada pode ser dito: é um espaço onde falar faz parte do dia-a-dia. Mas é precisamente porque tudo pode ser ali dito, que se torna ainda mais importante ter cuidado com o que se diz, unir as palavras àquilo que existe nas entrelinhas e evitar falar sem pensar. 

"Existe um relatório completo no filme: Vitalina lê o certificado de óbito do seu marido. Porque é que o faz? Talvez porque o essencial não esteja aí: são apenas palavras, apenas factos, uma espécie de vida que existe fora da experiência, o registo oficial. Aquilo que se experiência, se é que pode ser expresso, apenas pode ser sussurrado aos poucos, envolvido em silêncio."

Até Terça!

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