quarta-feira, 15 de maio de 2019

130ª sessão: dia 16 de Maio (Quinta-Feira), às 21h30


Max Ophüls era um filho do teatro, foi onde começou na Alemanha em 1919, antes de trabalhar como director de diálogos para Anatole Litvak na UFA. Foge do nazismo em 1933, trabalhando na Holanda, em Itália e principalmente na França. Em 1941, vai viver para os Estados Unidos, onde só consegue realizar o primeiro filme em 1947. A nossa próxima sessão, Madame de..., faz parte da última e mais conhecida etapa da sua carreira cinematográfica, em França, e ilustra de forma paradigmática as suas obsessões, origens e métodos de trabalho.

Detendo-se sobre o livro homónimo de Louise de Vilmorin, o realizador disse a Yuri Annenkov, responsável pelo guarda-roupa do filme, que "a Madame de..., que tem muito charme, com isso é uma senhora bem vazia, não é? A única coisa que me tenta neste romance delgado em sentido directo, é a sua construção, há sempre o mesmo eixo em torno do qual a acção roda incessantemente como um carrossel, um eixo minúsculo e quase imperceptível, um par de brincos. Mas este pequeno detalhe do vestuário feminino cresce, aparece em grande plano e impõe-se, domina os destinos do herói do livro e leva-os finalmente na direcção da tragédia. Se é verdade que não considero Madame de um grande romance, ligo-me no entanto a ele pela bela astúcia literária e essa astúcia é a forma, lembra-me num domínio totalmente diferente o Boléro de Maurice Ravel, aí a acção ou mais exactamente a matéria harmónica roda, desenvolve-se e complica-se novamente em torno de um eixo melódico mínimo."

Robin Wood escreveu sobre Ophüls para a Criterion, em 2008, sustentando que "é nos últimos quatro filmes franceses (A Ronda, O Prazer, Madame de... e Lola Montès), todos centrados sobretudo em mulheres, que são permitidas a liberdade e a extravagância plenas à obsessão de Ophüls com o trabalho de câmara móvel. Alguns acham-na excessiva, um maneirismo deleitado só porque sim, mas geralmente há uma justificação para o que pode parecer auto-indulgência: afinal, se para Ophüls “a vida é movimento,” então esta mobilidade constante é a expressão de uma metafísica. Por outro lado, alguns tendem a subestimar ou denegrir os seus filmes americanos porque, derrotado pelo estilo de filmagem há muito estabelecido em Hollywood, foi incapaz de seguir o seu amor pela mobilidade de câmara aos seus extremos desejados. E no entanto se me pedissem para nomear os seus melhores cinco filmes, dois deles, Carta de Uma Desconhecida e The Reckless Moment, seriam do período de Hollywood. Este último, especialmente, mostra a sua adaptabilidade a diferentes circunstâncias estéticas/práticas: é um filme americano de forma tão completa mas com uma subtileza, uma finura e uma precisão que pertencem essencialmente a Ophüls. Os carris e as gruas ainda lá estão em abundância, mas são meticulosamente disciplinados, nunca meramente decorativos, sempre ao serviço da narrativa.

"É central à visão Ophülsiana da existência humana que não hajam finais felizes nos seus filmes. O final estragado de Caught (o terceiro dos seus filmes americanos) talvez fosse projectado como tal, mas mais pelos produtores do que pelo realizador, e o tradicional “final feliz” de The Reckless Moment (a restauração da família americana) está entre os mais sombrios de todos os de Ophüls. Há tragédias manifestas (La signora di tutti, muito cedo, e Lola Montès, muito tarde), mais Liebelei, Carta de Uma Desconhecida e Madame de..., feitos em três países e idiomas diferentes, a atravessar a sua carreira, mas formando uma óbvia trilogia com uma estrutura narrativa recorrente reconhecível: os três são todos histórias românticas de amor a culminar no duelo do amante com um militar (Ophüls odeia os militares, rígidos e inflexíveis), que mais parece uma execução; o carrasco é o marido da mulher tanto em Carta de Uma Desconhecida como em Madame de..."

No Dictionnaire, Jacques Lourcelles escreve que Madame de... é o "penúltimo filme de Max Ophüls. Esta história de uma jóia, de uma mentira e de uma paixão é sem dúvida a sua obra mais completa pelo equilíbrio que lá se encontra entre o classicismo secreto do cineasta (gosto pelas intrigas construídas e «aneladas», contenção e pudor, sentido da clareza) e o seu barroquismo evidente. É também o filme de Ophüls em que os partidos tomados pela mise en scène casam de forma mais natural com as ideias e a visão do mundo do autor. Ophuls odiava o plano fixo por ser contrário à vida e à realidade, e este filme praticamente não os tem. O movimento que anima cada uma das sequências e o conjunto da obra contém em si mesmo a resposta às questões que o universo de Ophüls coloca constantemente: o que é a frivolidade? Onde começa a gravidade? Este movimento transforma-as uma na outra tal como transforma as personagens a cada instante da sua vida. Foi nesse movimento incessante – mas que nunca volta atrás – dos corpos, das impressões, dos sentimentos e das paixões que Ophuls viu a verdade, superficial e trágica ao mesmo tempo, da condição humana. Intriga perfeita nas suas circunvoluções e na sua nitidez, diálogos irónicos e simples, de uma extrema qualidade literária, actores sensíveis e refinados, fotografia soberbamente contrastada, cenários cuja profusão desemboca no abstracto: nunca tanto como aqui dominou Ophüls o seu material nem concedeu uma narrativa completamente desligada de si mesmo, sendo simultaneamente uma confissão íntima. 

"BIBLIO: argumento e diálogos in « L'Avant-Scène » nº 351 (1986)."

Até Quinta-Feira!

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