quarta-feira, 10 de julho de 2019

137ª sessão: dia 11 de Julho (Quinta-Feira), às 21h30


Depois de La Pointe Courte, primeira experiência de Agnès Varda no cinema, seguimos para aquela que será talvez a sua obra mais conhecida, Cléo de 5 à 7. Esta descrição em tempo real do trajecto de uma mulher até ao hospital, hora e meia de dúvidas e reavaliações com a urbanidade como banda-sonora, será a nossa próxima sessão na Casa do Professor, enquanto o Ciclo Varda continua.

Bertrand Tavernier, assessor de imprensa deste filme, lembrou a sua colega e amiga em artigo para o site da SACD (Société des Auteurs et Compositeurs Dramatiques), dizendo que "o anúncio da sua morte foi um choque. Soube dela por um jornalista que me pediu para reagir e fui incapaz de o fazer do pé para a mão. As recordações, as recordações inesquecíveis vieram logo de seguida. Primeiro, os meus inícios como assessor de imprensa. Era assessor de imprensa da Rome-Paris Film e um dos primeiros filmes em que trabalhei, foi a estreia de Cléo de 5 à 7. Eu era tímido e tinha de telefonar aos jornalistas para os convencer que o filme era formidável. A última parte foi fácil porque eu adorava o filme. Tinha preparado um dossier de imprensa, estávamos em 1961, e tinha-o imprimido em estêncil, no duplicador a álcool. Quando o estava a agrafar, ela veio assistir. A Agnès adorava o lado material, o lado da bricolagem. Adorava pôr as mãos na massa. Essa ante-estreia no Publicis foi emocionante, de tal forma o filme era formidável. 

"Cléo de 5 à 7 é um dos primeiros filmes de mulher. Revi-o recentemente e não envelheceu de forma alguma. Era uma obra-prima e continua a ser uma obra-prima, algo de muito pequeno e imenso ao mesmo tempo. Varda toca tanto no íntimo como no essencial, tudo de forma lúdica, com canções (de resto, nunca percebi porque é que uma das canções que Corinne Marchand canta no filme, com música de Michel Legrand e letra de Agnès Varda, nunca foi retomada. Quando a ouço, fico com lágrimas nos olhos), paródias de filmes mudos e momentos tocantes que abordam a guerra. E isso tudo num espaço muito curto e sem que pareça fabricado. Em Voyages à travers le cinéma français, presto homenagem a Cléo de 5 à 7 citando passagens da crítica de Roger Tailleur publicada na revista Positif em 1962 porque era a que Agnès preferia."

Em Varda par Agnès, e sobre a génese do filme, a realizadora diz que "eu queria filmar 'La Mélangite' em Sète e em Veneza, a cores e com figurinos. Isso é tudo muito caro disse-me Beauregard, que Demy me tinha apresentado. Faz um filme pequeno a preto e branco que não custe mais de 32 milhões.

"Pensei imediatamente em filmar em Paris e num dia (poupança nas viagens e nos salários, nos figurinos e nas complicações). O que é que Paris evocava, para mim? Um medo difuso da grande cidade e dos seus perigos, de lá nos perdermos sozinhos e incompreendidos, mesmo atropelados. Pensamentos de provinciano, certo, e ligados a leituras. Lembrei-me daquele homem um bocado deformado, um bocado deslocado, que desce a Boulevard St-Michel num livro de Rilke, via velhos e solitários na rua, malabaristas com gestos estranhos (perfurando os braços, engolindo sapos). Esses medos mínimos transformaram-se muito rápido no medo do cancro que nos anos sessenta se tinha instalado no espírito de todos. Sem perder de vista o programa económico da produção, pensei num filme minimalista registado num tempo contínuo. Acrescentei-lhe um trajecto real que se pode inscrever num mapa real do centro de Paris (era esse o jogo... a aposta sobre Paris*)."

* aqui Agnès Varda faz um trocadilho intraduzível para português: "le pari sur Paris".

No livro Cinema - A Critical Dictionary: The Major Filmmakers editado por Richard Roud, é o próprio Roud que escreve sobre Varda e a sua carreira, dizendo que "depois da sua primeira média-metragem, Varda virou-se para as curtas: Du Côté de la Côte (1958), um filme irreverente mas tocante sobre o mais banal dos temas, a Costa Azul; O saisons, ô châteaux (1957), modelos em desfile em Chambord; e L'opéra-mouffe (1958), uma evocação comovente dessa rua de mercado aberto na Rive Gauche, a Rua Mouffetard, vista pelos olhos de uma mulher grávida. (a própria Varda estava grávida na altura.) O documentário transforma-se num comentário visual sobre o amor e a morte, o nascimento e a velhice. E era aqui que assentava a verdadeira originalidade de L'opéra-mouffe—alcançava os seus fins por meios puramente visuais. Realista e fantástico, objectivo e subjectivo, social e pessoal, confirmou que a criadora de La Pointe courte era uma artista original.

"Na sua primeira longa-metragem, Cléo de 5 a 7 (1962), ela regressou à estrutura binária de La Pointe courte, e mais uma vez o filme é objectivo e subjectivo ao mesmo tempo—a odisseia de Cléo da Rue de Rivoli ao Hospital da Salpêtrière, e a sua odisseia espiritual da ignorância à compreensão. Cléo é uma jovem cantora que se vê subitamente confrontada com a possibilidade da morte, e o filme acompanha-a durante duas horas, da sua visita angustiada a uma adivinhadeira até ao hospital onde vai descobrir os resultados de uma análise médica. Acompanha-a passo a passo: pouco é omitido, não há elipses. As ruas e os cafés de Paris, os táxis e o cinema, são vistos como de facto são e da forma como surgem aos olhos de uma mulher que é seguida pela morte."

Até Quinta!

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