quarta-feira, 24 de julho de 2019

139ª sessão: dia 25 de Julho (Quinta-Feira), às 21h30


Antes de irmos de férias, vamo-nos deixar levar pelas paisagens rurais francesas percorridas por Agnès Varda na viragem do milénio, povoadas pelos respigadores que pintaram Van Gogh e Jran-François Millet e a cineasta foi procurar nas aldeias de hoje. A nossa próxima sessão na Casa do Professor é Os Respigadores e a Respigadora, de 2000.

Por alturas do lançamento do filme, presumivelmente, a realizadora disse que "o meu filme Os Respigadores e a Respigadora tem-se arrastado há quatro anos. Passei um ano a fazer um documentário sobre aqueles que vivem dos nossos desperdícios e dos nossos restos, na nossa sociedade. Uma vez que vivemos numa sociedade desorganizada, há gente que vive do que encontra no lixo. Encontrei pessoas formidáveis entre eles, que têm uma visão da sociedade. Não são miserabilistas, mas simplesmente indigentes. Perceberam que diante de tal desperdício, é preciso tirar algum proveito, denunciando ao mesmo tempo o que isso significa. Posso dizer que este filme Os Respigadores circulou um bocado por toda a França e no mundo inteiro. Coloca o mesmo problema em todo o lado. Não é o da economia durável, do comércio equitativo, é o de uma sociedade organizada em torno do dinheiro, «do que ganha mais» numa superprodução, um consumo excessivo, excesso de resíduos e portanto uma desordem. Os combates são a todos os níveis. Pode-se tentar pôr um freio ao «naufrágio» sistemático dos recursos naturais. Pode-se fazer um documentário sobre os arqui-pobres da África do Sul, da Índia ou da América do Sul. O que me interessou foi dizer «pois bem, vivo em França, é um país civilizado, «culto», rico e há pessoas que vivem do nosso desperdício!» Ver isso abala mais um francês."

Para os Inrocks, em 2001, Serge Kaganski escreveu que "a autora de Cléo de 5 à 7 partiu de uma imagem, um quadro magnífico de Millet que representa os respigadores de trigo de outrora, e de uma palavra, "respigar", conforme é definida no dicionário. Desse ponto de partida, Varda empreende uma alegre viagem não-organizada, uma espécie de road-movie a pé, de carro e de comboio, munida apenas com a sua curiosidade e com uma pequena câmara digital, ferramenta providencial para este projecto. O movimento deste "documentário-andarilho-automobilizado" é simultaneamente geográfico (de Provença aos subúrbios parisienses), histórico (a respiga, da Idade Média ao ano 2000), social (encontra-se um viticultor rico e um pensionista, um grande patrão e vagabundos...), jurídico (o direito de respigar depois da criação do Código Civil), e estético (da grande pintura à arte bruta da récup')... Filmando o circuito da batata à forma da Génese de uma refeição de Luc Moulet, Varda segue o tubérculo desde a colheita até à triagem feita pelas grandes superfícies. As batatas demasiado grandes, demasiado feias e demasiado danificadas são consideradas impróprias para o comércio e rejeitadas às toneladas inteiras em campos de disseminação previstos para esse efeito; aí, vêm-se servir pessoas precárias (e informadas). É um escândalo, e Varda tem a elegância de o denunciar pelo simples poder do cinema. 

"Varda sempre foi uma cineasta da proximidade e da liberdade, uma artista à altura do homem que nunca se contenta com o seu estatuto. A câmara DV só reforçou essas qualidades e encurtou a distância entre uma cineasta de hoje e os camponeses de uma pintura de Millet."

Quando o filme estreou em Portugal, Mário Jorge Torres, que já nos apresentou Douglas Sirk e The Tarnished Angels, declarou que "saúde-se antes de mais o facto de um documentário estrear em sala, o que é uma raridade. Depois destaque-se o modo brilhante como Agnès Varda assume a manipulação dos materiais, criando pequenas ficções e grandes atmosferas. Misturando o sublime e o irrisório como poucas vezes vimos nos tempos que vão correndo, "Os respigadores..." permitem à respigadora (leia-se, claro, realizadora) grandes momentos de cinema."

Até Quinta!

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