Para o terceiro momento Varda de Julho, temos encontro marcado com a grande Sandrine Bonnaire - também actriz de Maurice Pialat, Patrice Mazuy, Jacques Rivette ou Claude Chabrol - no papel de Mona, a sem-abrigo cujos últimos passos são imaginados por Varda com a ajuda dos testemunhos de várias pessoas. Sem Eira nem Beira é a nossa próxima sessão na Casa do Professor.
No capítulo de Varda par Agnès dedicado ao filme, a cineasta disse que "a imagem que persiste é a de Mona numa paisagem de videiras dominada por dois ciprestes e Mona vai ter sempre o rosto de Sandrine Bonnaire.
"Conhecia estes dois ciprestes há bastante tempo, ponto de referência no campo perto de Montpellier mesmo antes de se ter construído aí a autoestrada onde passam agora camiões, camiões dia e noite. A imagem do monte com dois ciprestes como um túmulo preparado para a Mona já estava comigo quando pedi a Serge Rousseau, o agente de Sandrine, para me encontrar com aquela que tinha admirado no deslumbrante Aos nossos amores, de Pialat, a única em quem conseguia pensar para a vagabunda rebelde.
"Veio então com o pai dela ao nosso primeiro encontro. Ela não tinha 18 anos, e ainda dependia dele para concordar e assinar. Entendemo-nos os três rapidamente. Disse-lhe tudo o que Sandrine devia esperar, um papel sem sorrisos que ia ser duro de viver, o frio requerido pelo argumento e as condições agitadas de uma rodagem em pleno campo. Também lhe disse que adorava o que se podia esperar dela. Grande rapariga! Não me decepcionou. Era preciso vê-la a resistir ao frio e ao cansaço. Ela impressionou-me. Além disso comoveu-me mais do que uma vez, particularmente no dia em que era preciso que ela caísse na vala de que jamais se levantaria. Ela sabia o caminho, o tubo a 20 centímetros do chão que a faria tropeçar e onde ia estar a câmara, mas fui incapaz de lhe dizer precisamente como cair. Dependia dela descobrir o que fazer."
Em entrevista para a revista francesa Les Inrockuptibles, Sandrine Bonnaire conta que “encontrei Agnès na cozinha dela. Ela propôs que eu interpretasse Mona em Sem Eira nem Beira. Eu era muito jovem, só tinha rodado três filmes e tinha muito poucas referências em cinema. Soube o que ela representava pelo meu agente mas não conhecia o seu trabalho de todo. Não havia argumento, só duas ou três páginas.
"Ela não me disse grande coisa, a não ser: ‘A Mona nunca diz obrigada, fede e diz merda a toda a gente.’ O lado bem monetário dela agradou-me muito. Também disse que me despiam com frequência no cinema e ela queria fazer exactamente o contrário: cobrir-me, rajouter sur moi des couches de vêtements. Elle voulait clairement casser quelque chose de la représentation de la féminité."
Já Alain Bergala, para os Cahiers du Cinéma, escreveu que "quando se serra ao nível do chão uma árvore doente ou congelada, acontece ver-se produzir na base do antigo tronco um novo arbusto, este bem verde e bem direito, a que chamamos "rebroto". É assim que eu vejo o último filme de Agnès Varda, em que de resto também se fala muito de árvores que morrem, um belo rebroto bem vivo no campo doente do cinema francês (...).
"É um filme de que se sai reconfortado, estimulado. E para aqueles que começavam a aceitar a ideia da morte por asfixia de um certo cinema de autor, é um filme que volta a dar confiança. A sua existência é um desafio feliz a todas as lamentações, ainda que o seu tom esteja longe de ser beatificamente optimista.
"Sem Eira nem Beira rebrota, obviamente, a partir das raízes de um cinema que achávamos belo e bem morto desde o fim dos anos setenta, diga-se para andar depressa o cinema moderno, em que o filme procurava a sua verdade mais do que a construía. Mas Sem Eira nem Beira é completamente o contrário desses filmes "pós" que se esforçam por prolongar uma modernidade passada ou que constituem o trabalho de pranto. É um filme vivo, bem contemporâneo e longe de toda a postura maneirista em relação ao cinema moderno."
Até Quinta-Feira!
No capítulo de Varda par Agnès dedicado ao filme, a cineasta disse que "a imagem que persiste é a de Mona numa paisagem de videiras dominada por dois ciprestes e Mona vai ter sempre o rosto de Sandrine Bonnaire.
"Conhecia estes dois ciprestes há bastante tempo, ponto de referência no campo perto de Montpellier mesmo antes de se ter construído aí a autoestrada onde passam agora camiões, camiões dia e noite. A imagem do monte com dois ciprestes como um túmulo preparado para a Mona já estava comigo quando pedi a Serge Rousseau, o agente de Sandrine, para me encontrar com aquela que tinha admirado no deslumbrante Aos nossos amores, de Pialat, a única em quem conseguia pensar para a vagabunda rebelde.
"Veio então com o pai dela ao nosso primeiro encontro. Ela não tinha 18 anos, e ainda dependia dele para concordar e assinar. Entendemo-nos os três rapidamente. Disse-lhe tudo o que Sandrine devia esperar, um papel sem sorrisos que ia ser duro de viver, o frio requerido pelo argumento e as condições agitadas de uma rodagem em pleno campo. Também lhe disse que adorava o que se podia esperar dela. Grande rapariga! Não me decepcionou. Era preciso vê-la a resistir ao frio e ao cansaço. Ela impressionou-me. Além disso comoveu-me mais do que uma vez, particularmente no dia em que era preciso que ela caísse na vala de que jamais se levantaria. Ela sabia o caminho, o tubo a 20 centímetros do chão que a faria tropeçar e onde ia estar a câmara, mas fui incapaz de lhe dizer precisamente como cair. Dependia dela descobrir o que fazer."
Em entrevista para a revista francesa Les Inrockuptibles, Sandrine Bonnaire conta que “encontrei Agnès na cozinha dela. Ela propôs que eu interpretasse Mona em Sem Eira nem Beira. Eu era muito jovem, só tinha rodado três filmes e tinha muito poucas referências em cinema. Soube o que ela representava pelo meu agente mas não conhecia o seu trabalho de todo. Não havia argumento, só duas ou três páginas.
"Ela não me disse grande coisa, a não ser: ‘A Mona nunca diz obrigada, fede e diz merda a toda a gente.’ O lado bem monetário dela agradou-me muito. Também disse que me despiam com frequência no cinema e ela queria fazer exactamente o contrário: cobrir-me, rajouter sur moi des couches de vêtements. Elle voulait clairement casser quelque chose de la représentation de la féminité."
Já Alain Bergala, para os Cahiers du Cinéma, escreveu que "quando se serra ao nível do chão uma árvore doente ou congelada, acontece ver-se produzir na base do antigo tronco um novo arbusto, este bem verde e bem direito, a que chamamos "rebroto". É assim que eu vejo o último filme de Agnès Varda, em que de resto também se fala muito de árvores que morrem, um belo rebroto bem vivo no campo doente do cinema francês (...).
"É um filme de que se sai reconfortado, estimulado. E para aqueles que começavam a aceitar a ideia da morte por asfixia de um certo cinema de autor, é um filme que volta a dar confiança. A sua existência é um desafio feliz a todas as lamentações, ainda que o seu tom esteja longe de ser beatificamente optimista.
"Sem Eira nem Beira rebrota, obviamente, a partir das raízes de um cinema que achávamos belo e bem morto desde o fim dos anos setenta, diga-se para andar depressa o cinema moderno, em que o filme procurava a sua verdade mais do que a construía. Mas Sem Eira nem Beira é completamente o contrário desses filmes "pós" que se esforçam por prolongar uma modernidade passada ou que constituem o trabalho de pranto. É um filme vivo, bem contemporâneo e longe de toda a postura maneirista em relação ao cinema moderno."
Até Quinta-Feira!
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