Na semana em que estreia finalmente em sala O Movimento das Coisas de Manuela Serra (é no dia 17 de Junho, pela The Stone and The Plot), chegamos a meio do nosso pequeno ciclo dedicado ao cineasta sul-coreano Hong Sang-soo, com O Dia em que Ele Chega, de 2011, a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
Numa entrevista de 2011, Hong Sang-soo disse que "(...) depois de ter decidido fazer o filme com Kim Bo-kyung, lembrei-me que Seong-jun (Yu Jun-sang) ia até à casa da ex-namorada quando se embebeda, portanto depois de rodarmos essa cena, decidi que ia conhecer uma nova mulher em Bukchon. E depois disso, Kyungjin só ia aparecer em mensagens de texto. Até Hahaha, eu tinha pelo menos uma ideia aproximada de como a história para um filme se desenvolvia, mas a partir de O Filme de Oki nem sequer pensei nisso. Mesmo com O Dia em que Ele Chega, decidi mais ou menos o elenco e os locais, e só pensei em cenas depois de começar a rodar o filme. Fazer com que as personagens femininas fossem semelhantes também veio de um processo assim. Pode ser norma fazer uma prefiguração e estabelecer pontos de ligação para as cenas que vão aparecer no filme num momento posterior mas eu deixei-me mesmo levar pelos meus instintos para este filme, sem nada definido de antemão. É um bocado difícil explicar por palavras mas os meus sentidos abriam-se em todas as direcções possíveis durante as manhãs. Nem sequer havia uma ideia central em bruto que eu estivesse a seguir."
No dossier de imprensa para o festival de Cannes, pode-se ler um texto de Jong Hanseok, que diz que "na cena que abre O Dia em que Ele Chega, o 12º filme de Hong Sang-soo, a voz off de Seong-jun diz-nos que vai passar ‘três-quatro dias’ a Seoul. De cada vez que é interrogado por mulheres, ele responde da mesma maneira, tirando no fim. À primeira vista, ele parece ter ficado o tempo que tinha previsto no início. No entanto não é assim tão evidente. Se conhecerem alguém que vos fale sem sombra para dúvidas do tempo que Seong-jun passou em Seoul, é preciso desconfiar. Pouco importa que tenha razão ou não; o problema, é ter a certeza. Quanto tempo ficou Seong-jun desde «o dia da sua chegada»? A resposta certa é muito simplesmente que «não se sabe».
"Lembre-se as personagens de O Filme de Oki, o filme anterior de Hong Sang-soo. Mesmo que tenham os mesmos nomes e que sejam interpretadas pelos mesmos actores, a sua identidade permanece ambígua ao longo de todo o filme. É assim que funciona o segredo estrutural da obra de Hong Sang-soo, em O Dia em que Ele Chega. Por exemplo, se se tentasse dividir este filme em poucos capítulos, ficar-se-ia surpreendido ao descobrir coisas que estavam escondidas. O tempo do filme que parecia linear baralha-se para se dividir em vários períodos, ou para se tornar virtual: os tempos de Seong-jun. E depois, ver-se-á que não há maneira alguma de explicar este filme de uma forma lógica ou racional. Neste filme, o tempo deixa de passar; mantém-se paradoxal, acumula-se como num estereoscópio. É a razão pela qual não podemos estar certos de nada."
Já Jean-François Rauger, escreve para o Le Monde que "(...) O Dia em que Ele Chega também é um filme cómico. O riso é desencadeado pelo sentimento de uma repetição das situações. A estadia de Seung-jun em Seoul é um running gag (situação cómica recorrente) que o condena a reencontrar as mesmas pessoas, a reviver as mesmas histórias e a frequentar os mesmos locais. Hong Sang-soo impulsiona mesmo o vício ao ponto de fazer encarnar pela mesma actriz as duas personagens (a ex-namorada e a dona do bar) que têm uma breve ligação com o herói.
"Esta repetição ontológica é puro produto do acaso ou é determinada pelo próprio protagonista, completamente alienado por um comportamento do qual não tem a chave? O cinema decididamente não recua, aqui, perante o questionamento filosófico, e é ainda mais admirável que o faça através de uma ficção minimalista, rodada em poucos dias com um punhado de actores num perímetro que se adivinha fazer parte da vida quotidiana do próprio cineasta."
Até Terça!
Sem comentários:
Enviar um comentário