quarta-feira, 2 de junho de 2021

Haebyeonui yeoin (2006) de Hong Sang-soo



por André Miranda

Um casal, na companhia do cão, passeia pela praia. Têm um ar harmonioso, quase transcendente. Mais tarde, na estrada, o homem entra no carro e arranca. O cão, abandonado, lança-se numa perseguição desesperada. Não é assim que começa o filme. 

A câmara percorre lentamente a fachada de um prédio e corta para o interior. Num quarto, surpreendemos duas personagens a meio de uma conversa. Em nenhum momento se apercebem da nossa entrada. Kim Jung-rae está com dificuldades em escrever o guião do seu próximo filme. Precisa de viajar, abandonar Seul. E é essencial que o amigo o acompanhe. Este só aceita se consigo puder levar a namorada/amiga/amante, Kim Moon-sook, para ser mais preciso. Já na cidade de Shinduri, que de paradisíaca não parece ter muito, 

Kim Jung-rae gaba a coragem de Won Chang-wook, não é qualquer um que se atreve a passar férias com a amante. As coisas são depressa esclarecidas: Moon-sook e Chang-wook afinal só deram um beijinho. É primavera e não faz calor. Uma tempestade de areia aproxima-se. Moon-sook colhe uma flor de uma árvore. 

Kim e Kim, talvez por os seus nomes serem tão parecidos, depressa sentem uma afinidade especial, aquilo que hoje em dia se chama de química, ou, nas palavras do Sr. Camões, “fogo que arde sem se ver”. À noite, acompanhados pelo som do mar, bem agasalhados, beijam-se. Chang-wook, o namorado/amigo, liga. Moon-sook gentilmente informa-o do local onde eles não estão. O pobre coitado caminha na direção errada, até ao fim da praia, onde as estrelas estão muito bonitas. 

Decidem voltar a Seul. Kim Jung-rae não tem a certeza quanto a Kim Moon-sook. Pede-lhe o famigerado tempo. Dois dias depois, volta a Shinduri. Manda uma mensagem de voz a Moon-sook. Sem resposta, ajoelha-se e chora, angustiado. Nisto do amor, dois dias parecem uma eternidade. 

Então, faz o que qualquer homem consumido pela angústia não deve fazer: encontra uma substituta, Choi Sun-hee. Os dois, na praia, gritam à noite: “Eu amo-te”. Mas a noite não devolve o “também te amo”. Talvez a noite seja surda, ou então fez de conta que não ouviu. 
 
Sun-hee afirma com convicção que não fará sexo com Jung-Rae. E, como é normal com qualquer coisa afirmada convictamente, acontece o contrário e os dois acabam na cama. Pelo meio são perseguidos por um motard com más intenções, que se afasta assim que leva um pontapé na mota. 

Moon-sook regressa à cena, enquanto Jung-rae e Sun-hee voltam à carga na intimidade. Bate à porta, grita, chora, deixa-se adormecer no chão de pedra. De manhã, depois de uns quantos saltos entre varandas, Jung-era e Moon-sook reatam a ligação. 

É uma paz que dura ainda menos do que as tréguas entre dois países que se odeiam. Jung-rae mente. Moon-sook sabe que ele mente e encontra-se com Sun-hee. Enquanto isso, Jung-rae, confinado no quarto por ter rompido um músculo que não usa (tipo apêndice), quebra o enguiço e escreve o guião. Na manhã seguinte vai embora. Volta a ligar a Moon-sook. Esta não está interessada em repetir o que não resulta. Jung-rae não é mais do que uma voz distante e patética.

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