segunda-feira, 21 de junho de 2021

195ª sessão: dia 22 de Junho (Terça-Feira), às 19h00


Na primeira semana de Verão, assistimos às pesadas memórias amorosas de Bong-wan, editor e crítico literário interpretado por Kwon Hae-Hyo na vigésima primeira longa-metragem de Hong Sang-soo, O Dia Seguinte, a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.

Em entrevista a Anne-Christine Loranger em 2017, e quando esta lhe pergunta se escreve sempre para actores específicos, o sul-coreano responde-lhe que "sim, claro que escrevo. Escolho sempre os locais primeiro e depois os actores. Tento falar com eles, beber com eles... Só ao falar com eles, entra-me algo no sistema, e quando tenho de escrever de manhã durante a rodagem, começo às 4:00, 5:00, às vezes às 3:00. É sempre intuitivo, não há preparação, apenas locais e actores e algo na minha mente. E depois vem-me à cabeça. Tento ordená-los de uma forma particular, trazer também alguma coisa. Todas as palavras, todas as linhas dos guiões me são oferecidas. Quando se está mais aberto, há mais coisas a vir até nós. Pode parecer irresponsável trabalhar desta forma, mas é assim que eu faço. Como alguém que cresceu no seio desta cultura, vi tantas histórias, tanto drama. A primeira coisa que eu vejo quando conto uma história são os clichés. Nós somos treinados a ver a vida numa forma narrativa particular. Os clichés são agradáveis. Quando eu trabalho com fragmentos de diálogo, não tento chegar a algo agradável. Tento encontrar um equilíbrio entre os fragmentos. Sei como outra pessoa se sentiria se juntasse os fragmentos de certa forma, mas tento não ficar assoberbado com esse prazer."

No dossier de imprensa do filme, há um excerto de uma crítica de Jeong Hanseok, onde este afirma que "O Dia Seguinte retrata um dia indescritivelmente longo e inexorável que parece que vai durar para sempre, e ao qual é brevemente acrescentada, depois de passar, uma anedota lânguida e onírica de outro dia, como uma ingestão de ar. Mas na verdade, enquanto vemos o filme, não é assim tão fácil reconhecer esta estrutura. Porquê é que é assim? Porque está a ter lugar uma luta desesperada de conjugações, perturbando a progressão linear do tempo. 

"Bong-wan vai a pé para o trabalho na escuridão antes do amanhecer. Nos locais por que passa, e no percurso traçado pelos seus passos, são infundidas as memórias de Bong-wan e da sua antiga amante Chang-sook. Hong Sang-soo intercala cenas de Bong-wan no presente a caminho do trabalho e cenas do passado de Bong-wan e Chang-sook juntos a um ritmo rápido e íntimo, mas solitário. É a primeira vez nos filmes de Hong Sang-soo que o passado e o presente se alternam lado a lado numa interacção tão activa e rápida."

Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, Maria João madeira escreve que «no diálogo interno dos filmes de Hong Sang-soo, as conversas são como as cerejas. Nesta roda – ou nesta ronda – a causa não se faz só de repetições e variantes. Entram também os pequenos apontamentos, pistas, deixas. Ao cabo de uma vintena de filmes uma pessoa dá por si a pensar numa cena que reunisse à mesma mesa o pleno das personagens de Hong Sang-soo a esgrimirem pontos de vista, obsessões, desgostos, dilemas, conflitos, estados de alma. E não parece inverosímil, mesmo que tantas delas venham da carne e da pele dos mesmos actores. Hong Sang-soo resolveria a coisa a bem, pensa uma espectadora animada. 

«N’O Dia Seguinte, a longa-metragem de Hong Sang-soo que no capítulo dos títulos evoca as jornadas de O Dia em que Um Porco Caiu a Um Poço e O Dia em que Ele Chega, que na dimensão meteorológica alinha com as tantas “obras de Inverno”, que no registo cromático está do lado da Virgem Desnudada pelos Seus Pretendentes e O Dia em que Ele Chega, de Grass e Hotel à Beira-Rio, que faz parte da sua filmografia com Kim Min-hee (e por aí fora, se pensarmos nos demais actores, intrigas triangulares, temporalidade múltipla, etc.), podemos começar por notar a declaração de fé nos livros. Nesse caso, O Dia Seguinte volta a uma ponta solta do Filme de Oki. “Vamos dedicar-nos à leitura. Num mundo tão destroçado, só os livros podem salvar-nos”, ouve-se aí. Aqui, um filme em que tudo se passa à volta de uma pequena editora, cujo “patrão”, como Bongwan se auto-apelida, é também escritor (Kwon Hae-hyo, actor de Hong desde Noutro País), a salvação pelos livros acode à personagem da rapariga a quem ele dá emprego por um dia escutando-a menos que ela a ele (Kim Min-hee, na personagem de Areum, tal e qual o nome da mulher que interpreta em Hotel à Beira-Rio, uma jovem poeta em perda amorosa que ouve a poesia do velho escritor, o pai protagonista desse filme de laços consanguíneos). O diálogo não é entre os dois, é entre a rapariga e o taxista que a transporta na noite em que esse dia se volve quando a neve vem cair para tornar tudo mais límpido. Ela traz um pacote de livros, escolhidos na editora como prémio de consolação, e tira um volume que começa a folhear. Os livros ajudam-na a viver? pergunta o taxista. “Sim. Um bocadinho.”»

Até Terça-Feira!

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