por Joaquim Simões
É estranho encontrar a mesma pessoa três vezes no mesmo dia. É uma grande coincidência, daquelas que nos pode levar a crer que talvez haja uma razão: a pessoa estará a seguir-nos, ou a gozar connosco? Não, rapidamente nos convencemos de que não é mais do que um mero acaso – embora não seja essa a nossa crença instintiva - antes aquela em que assentamos depois de espremer o acontecimento pelo filtro apertado da lógica. E se encontrarmos a mesma pessoa uma quarta vez? Será então impossível de acreditar que estamos perante apenas mais um dos inúmeros frutos da aleatoriedade do universo. Esta tendência humana de justificar causalmente acontecimentos que não são mais do que a resultante de milhões de acasos é talvez aquilo que nos torna em seres falíveis, quiçá trágicos, suscetíveis a cometer desastres – ou assim teoriza Seong-jun, o protagonista d’O dia em que ele chega, professor de cinema e ex-realizador, numa das muitas conversas que decorrem durante o filme, quase sempre entre cigarros, copos e comida. Não é que o conhecimento desta tendência falaciosa imunize Seong-jun de cometer qualquer um dos desastres a que ela nos pode conduzir, como, por exemplo, aparecer embriagado em casa de uma ex-namorada e proclamar desesperadamente que não consegue viver sem ela – cortando para a manhã seguinte, quando se despede dela, reassegurando-a de que o melhor a fazer é nunca mais falarem (nem por mensagens).
Recuemos: Seong-jun veio à capital visitar um amigo e crítico de cinema, Young-ho. Encontramo-lo na rua, acabado de chegar. O amigo não atende o telemóvel e ele, sem ter que fazer, deambula pela rua; o seu primeiro encontro é com uma atriz que conhece do passado – um minuto de conversa de circunstância e cada um para seu lado. Este encontro fortuito há de se repetir umas quantas vezes.
Young-ho continua a não atender o telemóvel e Seong-jun vai a um restaurante matar tempo. É convidado a juntar-se a uns estudantes de cinema que estão a beber copos, ou mais precisamente malgas, noutra mesa. Os estudantes brindam e lisonjeiam Seong-jun, que é um realizador estabelecido com quatro longas-metragens no bolso. Depois de bebidos Seong-jun vai levá-los a um sítio divertido, mas a dada altura desata a correr porque reparou que os estudantes acenderam ao mesmo tempo um cigarro imediatamente após ele o ter feito. Os estudantes não compreendem a ofensa. Tendo escapado, Seong-jun dá um salto ao apartamento da ex-namorada.
Lá se encontra com o amigo, Young-ho, e os dois mais uma amiga deste último, Bo-ram, vão beber os copos a um bar onde a proprietária tem uma semelhança física impressionante com a ex-namorada de Seong-jun. Os três conversam, fumam e bebem copos; Young-ho está muito interessado em Bo-ram, que está muito interessada em Seong-jun, que está muito interessado na dona do bar.
Talvez no dia seguinte, os dois amigos encontram-se num restaurante com um velho amigo e ator, joong-Won, protagonista do primeiro filme de Seong-jun. O ator revela um certo ressentimento para com Seong-jun, que lhe tinha prometido um papel num filme, mas que escolheu antes dar a um ator mais popular, sem dizer nada a Joong-won. Há um momento de tensão, mas a conversa rapidamente se vira para a vida amorosa de Young-ho. Depois de jantar os três e Bo-ram encontram-se no bar da outra noite, conversam, fumam e, claro, bebem copos. Young-ho continua interessado em Bo-ram, que continua interessada em Seong-jun, que continua interessado na dona do bar que se parece com a sua ex-namorada. A dada altura a dona do bar sai para ir comprar comida. Seong-jun acompanha-a porque é tarde. A meio do caminho ele pára abruptamente para a encarar com urgência e comentar que está muito frio. Ela confirma que sim, portanto Seong-jun lança-se num beijo violento e apaixonado. Estão no meio da rua e está a nevar - é um momento de singelo humor e beleza.
Voltamos a encontrar Seong-jun, Young-ho e Bo-ram a jantar no mesmo restaurante do outro dia. Bo-ram fala da sua solidão. Depois vão ao bar - repete-se a rotina. Desta vez Seong-jun dorme com a dona do bar. Na cama, trocam palavras de ternura, e na manhã seguinte ele despede-se, assegurando-a de que é melhor não manterem o contacto. Liga a Young-ho, mas ele está ocupado. Deambula, encontra ao acaso algumas pessoas conhecidas da área do cinema que não querem falar com ele, outras que fazem questão. Cruza-se com uma rapariga que o reconhece, é fã dos seus filmes, e pede para lhe tirar uma fotografia. Ele não queria muito, mas como dizer que não a uma rapariga bonita que gosta dos nossos filmes? O filme termina com Seong-jun a encarar seriamente a objetiva que dispara sobre ele.
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