No mês de Junho, visitamos a Coreia do Sul de Hong Sang-soo, cineasta modesto que fez da sua obra um compêndio de experiências amorosas geralmente vividas por actores e realizadores de cinema. O primeiro dos cinco filmes que iremos exibir este mês será então Mulher na Praia, de 2006, a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
Por altura da estreia do filme em França, e para o jornal Le Monde, Jacques Mandelbaum escreveu que "Para quem ainda não conhece Hong Sang-soo, é preciso recordar duas coisas essenciais. A primeira é que este jovem taciturno representa há mais de dez anos (a sua primeira longa-metragem, Daijiga umule pajinnal, data de 1996) o ponto extremo do cinema de autor coreano. A segunda é que a sua obra, como a de um Eric Rohmer ou de um Patrick Modiano, é a de um artista sequencial que coloca as mesmas figuras sobre o trabalho paras as fazer passar por variações imperceptíveis que as renovam.
"Fenómeno mais singular: esse gosto pela repetição e pelo déjà vu também está na obra em cada um dos seus filmes, que desdobra frequentemente a mesma história em espelho na virada de uma mudança de parceiro amoroso. Porque, como Rohmer, Hong Sang-soo faz a crónica da retórica meticulosa dos sentimentos e a pintura das falsas aparências que a adornam. E como Modiano, ele tece, sob a aparência da trivialidade e da acessibilidade, intrigas impressionistas recheadas de armadilhas que na verdade só se sustentam pela graciosidade do estilo."
No dossier de imprensa do filme pela Grassopper Film, que distribuiu o filme nos Estados Unidos, há um depoimento do realizador coreano, em que este diz que "talvez tenha sido há cinco anos ou assim. Eu estava nos subúrbios e encontrei-me com uma mulher que se parecia imenso com outra mulher que conheci por razões de trabalho e que estava sedeada em Seoul. Acho que foi num restaurante junto a uma auto-estrada. Embora ela fosse uma estranha que só se parecia com uma das minhas conhecidas, tinha a sensação de que sabia alguma coisa sobre ela. Essa experiência deixou-me uma profunda impressão na minha mente. De vez em quando, eu pensava sobre se duas pessoas semelhantes na aparência também agiriam de formas semelhantes. Mas mesmo depois do encontro com aquela estranha familiar não fui capaz de chegar a uma conclusão. De qualquer forma, a questão permaneceu comigo como algo que iria ponderar de novo.
"Há dois anos, um dos meus conhecidos foi numa viagem, voltou, e iniciou outra viagem só dois dias mais tarde. Isto parecia um bocado fora do normal, e eu mantive-o armazenado num canto da minha memória. Só o mudei ligeiramente e criei uma situação em que uma das personagens viaja para o mesmo sítio dois dias depois de voltar de lá. E escolhi a praia de Shinduri, uma pequena cidade turística à beira mar na costa oeste, que tinha visitado um par de vezes como cenário principal para esta trama.
"O filme foi concebido a partir dessas memórias e de uma situação que eu tinha criado modificando-as. Coloquei as minhas personagens neste quadro geral e criei a história delas. Então daí brotaram imagens e a história de ideias e valores diferentes ligados ao sexo. Depois encontrei-me com os the actores que iam dar corpo e alma às personagens imaginárias da minha criação. Contei com o ambiente verdadeiro fornecido pela praia de Shinduri, onde passei todos os dias a escrever e a filmar. Trabalhei no duro para descobrir tudo aquilo “sobre o qual não estava convencido mas queria expressar,” e depois para o tornar tangível."
Para o site À Pala De Walsh, Inês Lourenço escreveu, depois de citar palavras do filme, que "as palavras de despedida de uma das personagens femininas de Haebyeonui yeoin (Mulher na Praia, 2006) têm o sabor agridoce que me parece prevalecer em qualquer filme de Hong Sang-soo. Espécie de mal-estar confortável que puxa sempre a obra seguinte. Aqui, Mun-suk (Go Hyun-jung) fala ao telefone com Jung-rae (Kim Seung-woo), o realizador com quem teve um breve caso amoroso, e sem contemplações, mas com um grão de meiguice na voz, identifica a angustiazinha masculina dominante. A saber, Jung-rae vive numa relação obsessiva com a imagens. Mais especificamente, ele, que estava preso à imagem-fantasma de uma traição da ex-mulher, encontrou ainda noutra mulher a imagem idêntica de Mun-suk, numa verbalizada semelhança física que o espectador não consegue acompanhar. Ou seja, elas não são parecidas, mas é como se a imagem feminina tivesse um feitiço inexplicável. Esse que certamente o vai fazer passar um mau bocado depois de tudo ter terminado. É a maleita das imagens.
"Haebyeonui yeoin tem lugar numa estância balnear meio deserta em época não estival. Começa com Jung-rae a convencer um amigo a acompanhá-lo até lá, e este, concordando, leva consigo Mun-suk, que surge primeiro como sua namorada, embora o equívoco do predicado se resolva com um momento de embaraço que abre a porta ao interesse romântico do realizador. Este último, a atravessar um bloqueio criativo, tenta trabalhar no argumento de um novo filme. Uma ideia que chega a expor aos outros dois e que ela se apressa a elogiar, mesmo não tendo entendido bem a explicação. “Tem muito jeito com as palavras. Gosto de pessoas eloquentes”, diz, já encantada pelo realizador que projecta imagens no ar enquanto passeiam na praia vazia e cinzenta. Ele, por sua vez, tem mais prontidão em elogiar-lhe as pernas."
Até Terça!
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