Enquanto o nosso pequeno ciclo Jim Jarmusch continua, somos visitados por monstros com alma. Estreado em 2013, Só Os Amantes Sobrevivem é uma variação sobre o mito do vampiro, em que a paz e o casamento com séculos de um casal de seres imortais são interrompidos e desestabilizados pela visita da irmã da mulher. Entre os seus amigos, conta-se Christopher Marlowe, alegadamente escritor-fantasma de toda a obra creditada a Shakespeare, e que fingiu a morte em 1593, vivendo sob a alçada de um pupilo. É a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
Em entrevista à IndieWire em 2014, e quando lhe perguntam o que o atraiu ao género dos vampiros, Jarmusch responde que "gosto de géneros, simplesmente, é um de que sempre gostei. Gosto mesmo de toda a história dos filmes de vampiros que são mais do género dos marginais, os menos convencionais. Começando com Vampyr de Carl Dreyer nos anos 30, e muitos, muitos filmes interessantes – A Sombra do Vampiro com Willem Dafoe, depois nos anos 80 The Hunger com David Bowie e Catherine Deneuve. Gostei imenso do filme de George Romero, Martin, do filme de Katheryn Bigelow, Near Dark, The Addiction de Abel Ferrara, Trouble Every Day de Clair Denis, o Fearless Vampire Killers de Polanski. Adorei o Let The Right One In—esse era de há tipo cinco, seis anos atrás, lindo.
"(...) Sempre adorei esses filmes todos, esse tipo de abordagem. Em vez daquela do tipo mais óbvio, e queria fazer uma história de amor há bastante tempo. Teve diferentes variações, mas fundiu-se de alguma forma talvez há uns oito anos no meu filme de vampiros. Portanto, eu queria fazer uma história de amor que envolvesse vampiros. Porquê, não vos sei mesmo dizer… Interessa-me. E às vezes também gosto de géneros porque insinuam uma espécie de elemento metafórico. Simplesmente pelo facto de serem um género. Portanto pode-se trabalhar nos limites [desse género] e fazer qualquer coisa diferente dentro desse enquadramento. Portanto isso atrai-me sempre, ou nem sempre, mas no caso dos poucos filmes em que me referi a géneros, também há lá algo de atractivo para mim."
Para a Film Comment, também em 2014, a actriz principal do filme, Tilda Swinton, comentou que "(...) eu conheci o Jim nos bastidores de um concerto de Darkness e cerca de uma semana mais tarde ele enviou-me uma carta a pedir-me para entrar no Broken Flowers - Flores Partidas, que já estava escrito e já estava a acontecer. Portanto eu não fiz parte do desenvolvimento desse filme de todo. Fiz mais parte de Os Limites do Controlo, mas esse filme era particularmente tão pouco desenvolvido na sua concepção; a intenção do Jim era fazer um filme de uma maneira em que não soubesse o que estava a fazer. Portanto foi estranho. Nesse sentido, pareceu extremamente auto-biográfico porque parecia que estava em busca do cinema. Vendou-se a si próprio propositadamente e depois andou às apalpadelas por esse filme.
"Mas diria que sim, [Só os Amantes Sobrevivem] pareceu mesmo muito pessoal—é certamente muito íntimo e tem um amor central de uma forma que os outros filmes dele não têm. Também é verdade que a Sara [Driver, a cineasta e a parceira romântica de Jarmusch] foi um enorme farol neste projecto e foi a pessoa que apresentou o Jim às histórias de Mark Twain. Portanto talvez seja mais auto-biográfico. Mas não sei. Não estou mesmo qualificada para julgar. Talvez seja sempre o caso."
Ainda em 2014, na National Review, e comparando a obra de Jim Jarmusch com a de Wes Anderson, Armond White escreveu que "(...) Só os Amantes Sobrevivem tem várias passagens notáveis. Uma montagem de empacotamento de livros mostra títulos comicamente díspares enquanto Adam e Eve se agarram a lembranças importantes ao mudar de casa. Numa passagem de bebida de sangue, os vampiros entram em transe como viciados em heroína (ou acenam desamparados com a cabeça em posturas de absinto próximas de Modigliani). E uma sequência de viagem faz um paralelo entre as deambulações nocturnas pela rua dos dois monstros quando estão a um oceano de distância. Isto confirma a melhor execução técnica de Jarmusch em comparação à combinação delirante de miniaturas, acção real, e perspectivas variadas de Wes Anderson. Jarmusch aponta para a identidade profunda dos hipsters na literatura, na música, e nos óculos de sol para comunicar a sua peregrinação vazia, procurando (com uma ironia total e consciente) um estado desalmado e anestesiado.
"Que esse estado seja exemplificado pela zombificação de uma cidade americana outrora vital demonstra um fascínio intolerável pelo declínio, evocativo da complacência social da boémia. Uma das cenas-chave entre Adam e um médico contrabandista de sangue (Jeffrey Wright) tem o único encontro racial entre negros e brancos do filme. Quando Adam insiste que o seu “risco mútuo me faz sentir seguro,” isso evoca a confiança de classe desigual de incontáveis trocas de compradores de droga no seio da vida boémia dos hipsters. Isto explica a excursão decadente do filme por Tânger (referenciando o guru exótico Paul Bowles) e por Detroit. Jarmusch retrata a Motor City através de “pornografia de ruínas,” um fascínio pelo colapso social que é indiferente a explicações ou soluções económicas e políticas."
Até Terça-Feira!
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