Jim Jarmusch, de quem já exibimos Homem Morto em Maio de 2017, na altura com direito a apresentação em vídeo por Nemo Librizzi, regressa ao nosso cineclube em Maio de 2021 com um pequeno ciclo de quatro filmes, sendo o primeiro Vencidos pela Lei, protagonizado por Tom Waits, John Lurie e o italiano Roberto Benigni, os três presidiários que animarão a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
Em 2017, no âmbito do VII Encontro Anual da AIM, Carlos Melo Ferreira escreveu sobre o realizador, dizendo que "o cineasta independente americano Jim Jarmusch nasceu em 22 de janeiro de 1953 em Akron, cidade industrial do Ohio, donde partiu para frequentar a New York University onde concluiu o curso de literatura e onde, depois de uma passagem frutuosa por Paris em 1975 com frequência assídua da Cinemateca Francesa que lhe permitiu conhecer os clássicos de referência do cinema mundial, estudou cinema e teve como professor o cineasta moderno Nicholas Ray, o que aguçou o seu interesse que vinha de trás pela sétima arte.
"Este simples apontamento biográfico tem chamado a atenção daqueles que o têm estudado para, a partir da sua deambulação geográfica, explicar o sentimento de estranheza que desde o início, em Sempre em Férias (1980) e Para Além do Paraíso (1984), acompanha a sua obra como acompanhara antes a de Nick Ray e que tem sido dito lembra Buster Keaton, cineasta/ator do burlesco mudo.
"Na década em que nasceu iniciou-se também, em Nova Iorque, o cinema independente americano a partir da fundação da revista Film Culture em 1955 pelos irmãos Jonas e Adolfas Mekas – com eles, o documentarista D. A. Pennebaker e o ator/realizador John Cassavetes, entre outros – no que, a partir de 1959, ficou conhecido por New American Cinema. Fora de Hollywood, ele foi contemporâneo da nouvelle vague francesa e dos cinemas novos, que só tiveram correspondente em Hollywood com a chamada Nova Hollywood que, a partir dos anos 70, a fez renascer das cinzas em que tinha ardido no início dos anos 60. (Rigorosamente, desde o tempo do cinema mudo, havia produtoras independentes e, pelo menos desde a década de 40 do século XX, que havia cinema independente nos Estados Unidos, mas sem continuidade.)"
Em entrevista ao The New York Times, em 1986, Roberto Benigni falou sobre Jarmusch e sobre como o conheceu, dizendo que "não sabíamos nada um sobre o outro. Eu nunca vi nenhum dos filmes dele. Nunca ouvi o nome Jim Jarmusch. Felizmente tenho muito sucesso em Itália. Sou comediante e também um realizador, mas Jim Jarmusch também nunca tinha ouvido falar de mim. Alguém nos apresentou e fomos juntos comer qualquer coisa. Nenhum de nós sabia falar a língua do outro, mas não sei, gostámos um do outro, percebemos. De alguma forma falámos, com os nossos corpos, com os nossos olhos. Sabemos ambos umas palavras de francês. Encontrámo-nos muito, depois disso, e nunca conseguíamos falar mesmo; mas na minha cabeça, quando me lembro, acho que estávamos a falar italiano porque comunicávamos. Sabíamos que gostávamos um do outro. Ele perguntou-me se queria trabalhar com ele. Foi a primeira vez na minha vida antes de conhecer o guião, antes de conhecer o trabalho dele, disse apenas que sim. Sabia que ele era bom. Ele é mesmo estranho e mágico e também é uma contradição, como o Pinóquio.''
Para a Criterion, por ocasião do lançamento do DVD do filme em 2012, Luc Sante escreveu que "Vencidos pela Lei, estreado em 1986, era o terceiro filme de Jim Jarmusch. Ao contrário dos seus antecessores, Sempre em Férias (1980) e Para Além do Paraíso (1984), não arrancou de uma vista semi-documental da baixa de Manhattan. Foi totalmente rodado em exteriores no Louisiana, o que, no contexto do cinema de baixo orçamento da cidade de Nova Iorque, era exótico, ainda mais que as incursões dos filmes anteriores pelos arredores abandonados de Cleveland e fosse qual fosse a extensão de autoestrada negligenciada que fazia as vezes da Flórida. Aqui, o local é anunciado e reforçado durante os créditos. Passam em revista Nova Orleães e as suas imediações, da esquerda para a direita, gravadas num preto e branco cristalino pela câmara de Robby Müller: mausoléus, varandins de ferro forjado, bairros sociais de baixa estatura, barracas em estacas. Depois disso, as cenas desenrolam-se no meio de uma arquitectura semi-tropical e nos pântanos; ouvem-se sotaques cajun e Irma Thomas a cantar, mas por todo o aroma a gumbo filé, o cenário verdadeiro não é mais o Louisiana do que o cenário de Macau é Macau. Vencidos pela Lei tem lugar na terra da imaginação, na província dos filmes.
"O Jack de John Lurie, um chulo, parece vir do film noir. Ao vê-lo nos seus preparos de trabalho com fato, camisa preta, e gravata brilhante, imagina-se que nasceu algures nas bordas do enquadramento de The Big Combo de Joseph H. Lewis e conseguiu a sua cara a estudar Jean-Paul Belmondo em O Acossado de Jean-Luc Godard. O facto de Lurie ter usado exactamente as mesmas roupas no seu papel fora da tela, como líder dos Lounge Lizards, uma banda post-punk que explorou e despedaçou as convenções do jazz post-bop dos anos 50, e apareceu pelos lábios dele a tocar saxofone, importa apenas na medida em que a sua actuação era perfeita. John Lurie inventou “John Lurie,” uma figura de uma calma inatacável que, no entanto, é capaz de executar trambolhões, um bebedor de highballs e condutor de Cadillacs que recebe o correio num apartamento cheio de crude e não no Eden Roc, e que quase nem precisa de uma mudança de antecedentes para se tornar Jack."
Até Terça!
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