Talvez haja um poeta em cada um de nós. Com Adam Driver, Golshifteh Farahani e um certo Method Man, estreado em Maio de 2016 no festival de Cannes, e sobre o quotidiano de um motorista e poeta norte-americano chamado Paterson que vive na cidade de Paterson, em Nova Jérsia, Paterson será a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
Sobre a poesia e o seu filme, Jim Jarmusch disse à Film Comment em 2016 que "eu vim para Nova Iorque e estudei na Columbia com o Kenneth Koch e com o David Shapiro, representantes daquilo que chamamos de Escola de Nova Iorque. E o Ron Padgett e o David editaram uma antologia de poetas de Nova Iorque em 1975 que foi como que a bíblia desta escola de poesia. A Escola de Nova Iorque em particular era muito, e continua a ser, muito próxima ao meu coração. E isto é o Frank O’Hara, claro, o John Ashbery, o James Schuyler, o Ron Padgett, o David Shapiro, o Kenneth Koch, um poeta incrível, o Joe Ceravolo, o Frank Lima. Alguma da poesia deles coincide com a dos Beats, que eu adoro de forma diferente, mas para mim, a Escola de Nova Iorque, são os meus padrinhos.
"E para os filmes também, de certa forma. Porque os poemas deles são engraçados, os poemas deles são pessoais. Frank O’Hara escreveu um manifesto muito bonito chamado “Personism” em que diz: “Não escrevas poesia para o mundo. Escreve poesia para outra pessoa. Escreve uma mensagem de amor para alguém que amas, ou escreve uma pequena carta poética para alguém que conheces.” Portanto isso foi mesmo inspirador para mim e tentei fazer filmes que não gritassem do topo da montanha para o mundo inteiro, mas mais como pequenas cartas para alguém de quem gosto. Eles inspiraram-me mesmo ao longo disso tudo.
"Escrevo poesia de vez em quando. Não a mostro às pessoas. Mostrei algumas ao longo dos anos ao David Shapiro. Ele foi o meu professor. Mas sim, eu simplesmente adoro aqueles tipos. E no que diz respeito a Paterson, alguém disse que é como um poema em forma de cinema, mas eu acho que é mais como cinema numa forma poética. Porque é um filme, e eu sei o que é que o Jonas quer dizer porque é permitido à poesia ser abstracta enquanto que a prosa não é da mesma forma. A poesia, mesmo como é colocada numa página, mesmo se se retroceder a Apollinaire—os Caligramas—que brincou muito com a forma como as coisas estão na página para que os espaços se tornem igualmente importantes… Isso é muito abstracto. A prosa pode fazer algo desse género, mas não é a mesma coisa. Portanto entendo a observação de Jonas de que uma certa forma de filmes está livre de restrições prosaicas. A poesia pode fazer isso. Sempre adorei poetas desde que era adolescente, porque descobri Baudelaire e os simbolistas franceses, e Rimbaud, claro, um bocado mais tarde, e depois—descobri isto tudo em traduções—Rilke. E descobri Walt Whitman, Hart Crane. E depois Wallace Stevens, levando, obviamente, à Escola de Nova Iorque."
Também em 2016, Carlos Melo Ferreira escreveu no seu blog que "em Paterson (2016) o americano Jim Jarmusch regressa às suas origens para filmar sem estrelas e sem rede uma vida humilde, a de um motorista de autocarro chamado Paterson - título de um poema longo célebre de William Carlos Williams (1883-1963), poeta maior do modernismo americano, editado em português pela Relógio d'Água (1998) - em Paterson, New Jersey.
"Com Adam Driver como Paterson e Golshifteh Farahani com Laura, a mulher dele, sobre argumento seu o autor mais importante do novo cinema independente americano cria um filme de quotidiano laborioso de um americano que tem a característica especial de escrever poesia. Aí entra a poesia de Ron Padgett, poeta amigo de Jarmusch, com um poema final do próprio Williams, "This Is Just to Say". E a presença das palavras dos poemas que são escritos na imagem e no som confere plena visibilidade ao acto de as escrever, assim visível e auditivamente poético, tanto mais quanto Paterson não usa computador, telemóvel ou o mais e escreve à mão.
"Acompanhando os rituais diários do protagonista, o filme segue-o entre casa e o trabalho, deste para o bar e de regresso a casa onde o esperam Laura e Marvin, o cão, durante uma semana, de segunda-feira a domingo, para regressar a uma/a mesma segunda-feira. Com pormenores deliciosos, como as conversas dos passageiros do autocarro e de Paterson com o encarregado, as conversas do bar (fantástica a noite do xadrês e da mesa de bilhar), o diálogo dos anarquistas, as conversas do casal em casa a que o outro casal, Everett/William Jackson Harper e Marie/Chasten Harmon, faz contraponto no bar."
Já o nosso amigo, José Oliveira, escreveu que o filme é a "aproximação de coisas muito diferentes. Olhar as distâncias em perspectiva nova. Deixar que as esferas e os elementos díspares se conheçam e falem entre si. A luz da noite e a luz do dia envolvidos. Paterson é o mais essencial (primeiro) dos filmes de Jim Jarmusch pois não força os encontros no caos da realidade cronometrada mas vislumbra um mundo perfeito que nos indica todas as possibilidades e combinações infinitas. Desenterra os paraísos perdidos e acende novas luzes. Para Paterson, o poeta que conduz autocarros, encontra poesia em tudo e vê em cada um outro poeta, não há limites nem barreiras na realidade. O seu constante sorriso tudo abarca e aceita. Tudo, o gesto central deste poema inaugural e inteiro que tem as propriedades das grandes curas. Como quem limpa as feridas ou tira os pecados do mundo.
"Poema da banalidade. A pura poesia dos sonhos da sua mulher, Laura. O autocarro a largar a garagem e os reflexos, as sobreposições, cintilações, as palavras disso tudo a serem escritas na tela. Ruas, céus, água, pessoas, palavras. Tudo encontra parte em tudo, diferente e um num só corpo. Poesia inscrita no corpo da paisagem. Extraída a ela e logo devolvida. Dádiva, aceitação e retorno de mãos vazias. O tempo. Dentro do autocarro: dois miúdos a falarem de “Hurricane Carter”, o culpado inocente; dois solitários envergonhados a enumerarem as “conquistas” efémeras; um rapaz e uma rapariga novos demais no auge da anarquia – histórias e poesia que Paterson já conhece “fora do filme”. Paterson, o filme, é um instante cadente na marcha impávida e pasmosa do tempo. Já não basta a câmara frontal, a luz vergada, a montagem de sentidos, o aterro na superfície falha. É preciso o interior em primeiro plano e a ordenar organicamente."
Até Terça!
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