domingo, 5 de setembro de 2021

201ª sessão: dia 7 de Setembro (Terça-Feira), às 21h00


Já se tinha pensado neste nosso ciclo de cinema brasileiro para Setembro antes do incêndio que invadiu as instalações da Cinemateca Brasileira a 29 de Julho deste ano. O cinema não é volátil, ou permanentemente acessível em qualquer plataforma, é património físico que depende dos esforços de muita gente e de muitos meios para o preservar, defender e divulgar. Portanto dedicamos o nosso ciclo à Cinemateca Brasileira e a todos aqueles que lutam pelo cinema na linha da frente, face às intempéries naturais e à indiferença institucional. A passividade e a ignorância não podem vencer.

A nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Caveiro da Silva é Pixote - A Lei do Mais Fraco de Hector Babenco, primeira de quatro projecções que contarão com a presença do actor brasileiro Bemvindo Sequeira, residente em Braga, para conversar connosco sobre o cinema do seu país. 

Sobre o filme de 1980, Babenco disse em entrevista à Film Quarterly em 1982 que "eu tinha feito duzentas horas de entrevistas com crianças realmente abandonadas nos reformatórios. E também houve crianças dos reformatórios a vir ao meu escritório contar-me as vidas delas - de dentro e de fora dos reformatórios. Construí o meu guião com o auxílio de situações que me foram contadas por estas crianças.

"Assim que o guião ficou escrito comecei a trabalhar com as crianças-actores sem utilizar o guião. As crianças nunca leram o argumento. A cada dia tínhamos uma oficina de trabalho com a ideia de desenvolver uma nova sequência no guião, mas a cada dia era como se fosse um filme novo. Eu contava-lhes a situação. Discutíamos o que é que podia acontecer na determinada situação com que nos deparávamos, porquê? Quais é que podiam ser as reacções? E depois fazíamos uma improvisação baseada na situação. A seguir a isso olhava para o meu guião para corrigir algum diálogo, e à tarde começávamos a rodar. Não queria que as crianças memorizassem o diálogo ou soubessem a história toda. Além disso, fiz o filme em sequência dramática, na mesma ordem em que o vemos. Fiz o filme num calendário em "tempo real" para o entendimento das crianças de como a história avança, para os ajudar a entender que o que acontece hoje é uma consequência do que aconteceu ontem.

"Os produtores ficaram malucos porque o filme acabou por custar duas vezes mais, mas foi maravilhoso para o filme."

A 21 de Outubro de 1980, no Caderno B do Jornal do Brasil, Ely Azeredo escreveu que "Pixote é um filme terrível. Quem quiser ver o drama da infância abandonada envolto em um manto lírico, de transbordante ternura, deverá esperar um dos próximos filmes de Truffaut. Héctor Babenco, realizador do vigoroso Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, volta a tomar como base um romance de José Louzeiro (A Infância dos Mortos), e alcança nível expressivo mais alto, negando o enfoque restritivamente polémico que se costuma dar àquele problema nos meios de comunicação. Nada mais fácil que discorrer sobre causas da delinquência na faixa infanto-juvenil: "Seria como fazer um trabalho sobre o Lúcio Flávio de calça curta," disse o próprio Babenco.

"Em Brincadeiras Proibidas, de René Clément, duas crianças, condicionadas pelas repercussões da guerra, mantêm às ocultas um pequeno cemitério para insetos, cães e outros bichos. Tardiamente os adultos descobrem o brinquedo macabro, que também classificam de blasfémia pelo uso de uma cruz em cada sepulcro. A piedade fossilizada porá fim a essa demonstração da sensibilidade das duas crianças. Brincadeiras Proibidas foi aclamado como libelo contra a guerra, mas poucos observadores terão destacado o ângulo do esmagamento da fantasia infantil pela intolerância dos adultos - um estado de beligerância que sempre prescindiu de declarações formais." 

Já Inácio Araújo, que nos apresentou Heat - Cidade Sob Pressão em Abril de 2017, escreveu sobre o filme para a Folha de S. Paulo, em 1996, dizendo que "como o problema da criminalidade infanto-juvenil não declinou e os abismos sociais que o filme apontava continuam abissais, o quadro desenhado pelo filme permanece de certa forma intacto. 

"Hoje, porém, ninguém pensará em empurrar a culpa do problema para outro. Se há culpa, ela pertence ao passado. De algum modo, todo espectador é responsável e vítima. Resumindo, Pixote é hoje um filme bem mais chocante do que em 1980. 

"Mudou também o cinema. Hoje, o espectador é chamado a ver "pixotes" diretamente inspirados por este filme. Quem Matou Pixote?, de José Joffily, joga a carta da demagogia e do melodrama. Como Nascem os Anjos, de Murilo Salles, trabalha a "inocência" de seus jovens protagonistas. 

"Nada disso em Pixote. Em nenhum momento, o filme esvazia Pixote e amigos de sua integridade e complexidade. Nunca permite que o problema pessoal dissolva-se ou seja absorvido pelo social: ambos existem, em esferas distintas. Babenco não passa a mão na cabeça de seus heróis. Mostra-os. Isso já é trágico o bastante. Também nesse sentido, Pixote cresceu com o tempo."

Até Terça-Feira!

Sem comentários:

Enviar um comentário