terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O que Arde (2019) de Oliver Laxe



por João Vilares

O Que Arde é a segunda proposta deste mini-ciclo de cinema galego que resulta da parceria entre o Lucky Star e o Centro de Estudos Galegos da Universidade do Minho, no âmbito do 9º Convergências. 

Oliver Laxe é um actor, realizador e argumentista franco-espanhol de origem galega. Enquanto realizador, conta com apenas três filmes no seu currículo: Todos Vós Sodes Capitáns (2010) com o qual venceu, no Festival de Cannes, o Prémio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (FIPRESCI); também em Cannes, ganhou com Mimosas (2016) o Grande Prémio da Semana Internacional da Crítica; em 2019, novamente em Cannes, foi a vez deste O Que Arde arrecadar o Prémio do Júri na mostra “Un Certain Regard”. 

Sob o pretexto dos incêndios na Galiza, O Que Arde tem tanto de desafiante quanto de provocador. Amador Coro (Amador Árias) sai em liberdade condicional após cumprir metade da pena por ter incendiado uma montanha em Lugo. O tamanho do processo é revelador de que estaremos na presença de um perigoso pirómano. Porém, um dos funcionários comenta: “É um desgraçado”. 

A escolha da palavra “pirómano” não é, de todo, acidental. Ao invés de um incendiário, um pirómano não provoca incêndios pelo lucro que poderá advir dessa acção, mas pelo prazer que a acção em si lhe traz. Será, então, que o lugar dessas pessoas é a prisão ou um hospital? Qual a nossa responsabilidade, enquanto sociedade, para com elas?

Através de uma fotografia incrível (Mauro Herce), Laxe descreve-nos uma Galiza rural de paisagens de uma beleza extraordinária, mas com um relevo e clima inóspitos que, inevitavelmente, moldam as pessoas que a habitam. A simplicidade da casa, a relação com os animais, com os vizinhos e principalmente entre mãe (Benedicta Sánchez) e filho são um retrato terno de uma região que se faz sobretudo de contrastes. Em que o silêncio exprime loquazmente a sinceridade dos sentimentos e cada palavra não diz, afinal, mais do que o que realmente quer dizer: “Gosto que estejas aqui.” 

O desempenho brilhante dos actores e a inteligente montagem criam-nos intencionalmente o desconforto de perante uma calma quase apaziguadora não nos coibirmos de julgar Amador sumariamente, ainda que em momento algum o vejamos executar qualquer acção que con- firme ser ele o culpado. 

O Que Arde é, no fundo, uma metáfora da complexidade das relações humanas: quando nos deixamos envolver pelo fogo incontrolável das emoções corremos o risco de criar um solo estéril que dificilmente conseguiremos reabilitar.



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