quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Tsuki wa Nabarinu (1955) de Kinuyo Tanaka



por António Cruz Mendes

Kinuyo Tanaka produziu e interpretou vários filmes de Yazujiro Ozu e a influência deste grande mestre do cinema japonês é bastante evidente nesta segunda realização de Tanaka. Podemos percebê-la, por exemplo, nos enquadramentos das cenas de interior, estudados ao pormenor, como se fossem quadros de uma pintura clássica, e filmados por uma câmara quase fixa, postada rente ao chão. Contudo, seria injusto vermos a realizadora deste belíssimo filme, simultaneamente poético e teatral, que denota já uma assinalável maturidade estética, como uma mera epígona de Ozu. 
 
Uma componente feminista será um dos seus traços distintivos. “Para mim”, diz-nos Kinuyo Tanaka, “o período da guerra (1939-45) foi como se tivéssemos caído num buraco. E para sair desse buraco, convenci-me de que seria necessário que as mulheres tomassem o comando, a começar pelo comando do cinema”. Vemos essas mulheres em Carta de Amor e vamos vê-las em A Lua Ascendeu e Para Sempre Mulher, como prostitutas, amantes ou poetisas. Vão ser elas as protagonistas dos filmes de Kinuyo Tanaka. São elas que apontam os caminhos da modernidade num Japão onde o peso de tradições ancestrais ainda se continuava a fazer sentir na condição feminina.

A própria Kinuyo Tanaka protagonizou este movimento de emancipação, particularmente a partir do momento em que decidiu afirmar-se como realizadora. 

Como actriz, tinha já uma longa carreira, onde se incluem quinze filmes sob a direcção de Mizoguchi. Entre eles, o notável Contos da Lua Vaga. Foi, aliás, depois dessa experiência que Kinuyo Tanaka decidiu experimentar passar para o outro lado da câmara, o que mereceu a oposição de outros realizadores, do seu marido e mesmo de Mizoguchi que se recusou a escrever a carta de recomendação indispensável para a sua inscrição no sindicato dos realizadores japoneses. Essa recomendação obteve-a ela de Keisuke Kinoshita, o autor de Balada de Kinoshita (1948), que também lhe cedeu o argumento para Carta de Amor. Mizoguchi, pelo contrário, mesmo depois da realização deste seu primeiro filme ter sido selecionado para a edição de 1954 do Festival de Cannes, no final da rodagem de O Intendente Sansho, quando ela lhe comunicou a sua intenção de realizar um outro, terá replicado: “Deixa-te disso. Não vale a pena”. 

O seu conselho não foi escutado. Kinuyo Tanaka obteve, então, o apoio de Ozu, que lhe ofereceu o guião de um filme que ele próprio não pôde realizar, A Lua Ascendeu, e que abordava temas que lhe eram caros: o relacionamento entre pais e filhos, o casamento e a emancipação feminina, e que Tanaka vai tratar de uma forma exemplar. 

O filme é uma comédia romântica onde as três personagens femininas personificam três diferentes atitudes face ao amor que, de certa forma, espelham diferentes atitudes políticas perceptíveis no Japão do pós-guerra. Aparentemente, Chizuru encontra-se ainda presa a uma memória passada e Ayako encerra-se no presente, adoptando uma atitude expectante. Só Setsuku toma nas suas mãos a tarefa de construir o futuro. De facto, todas elas sonham com uma nova vida, algo distante, fora de cena, que Setsuku identifica com Tóquio, contraponto de Nara, antiga capital do Japão, agora uma pequena povoação parada no tempo, onde vive com a sua família. 

Mokichi Asai é interpretado por Chishu Ryo, um dos actores favoritos de Ozu e Kinuyo Tanaka faz a figura de Chizuru. Mas, de facto, quem personifica aquele anseio de viver e de ser capaz de decidir da sua própria vida, de trilhar novos caminhos sem temer desafiar velhas convenções que podemos reconhecer na biografia da realizadora, a “mulher que toma o comando”, vencendo as hesitações dos homens aqui representados por Shôji, é Setsuku (Mie Kitahara), a mais nova das três irmãs. No final, banhado pela lua que ascende no céu, o amor triunfa e novos horizontes se abrem diante das filhas do sr. Asai.



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