sexta-feira, 3 de novembro de 2023

A Ilha dos Amores (1982) de Paulo Rocha



por Joaquim Simões

Numa entrevista de 1998, Paulo Rocha diz que A Ilha dos Amores “é uma espécie de longo gráfico das várias tentações e zangas que eu tive com temas chineses, macaístas, japoneses de várias cores e feitios, lisboetas e europeus, (...) a ideia de fazer um poema com todas as línguas, o conceito de colagem onde estivessem todas as civilizações.” 

A estrutura desta portentosa obra fílmica possui na base uma estrutura organizada em cantos que é facilmente associada a Os Lusíadas, embora, na verdade, esta divisão seja uma herança do autor de uma das mais antigas obras da literatura oriental, as Nove Canções de Chu Yuan (340 a. C. – 278 a. C.). Este poeta exerceu o cargo de primeiro-ministro numa região e num contexto administrativo que viria, com outros estados, a formar a futura China. Desterrado para o Sul, Chu Yuan recolheu entre as populações primitivas que ali viviam um conjunto de canções xamanísticas que reescreveu de uma forma erudita. Quando Paulo Rocha descobriu esta figura maior da identidade chinesa, assim como a articulação das matérias subjacentes ao poema referido, encontrou nas referidas canções a solução para dar corpo e alma e, como ele disse, a “forma e o fundo” a um projeto que inicialmente seguia um rumo muito mais próximo da narrativa clássica. 

Não obstante o realizador privilegiar a construção de um filme mosaico, há um fio condutor que não afastou o lado mais prosaico, embora reinterpretado, da vida e do percurso existencial do homem, o escritor e oficial da marinha de guerra Wenceslau de Moraes (interpretado no filme por Luís Miguel Cintra). Português, nascido em Lisboa a 30 de Maio de 1854 e falecido em circunstâncias misteriosas no Japão (suicídio, assassínio, acidente?) a 1 de Julho de 1929. No seguimento de uma série de contrariedades pessoais e desiludido com a política nacional, sobretudo a crise gerada pelo controverso episódio do Mapa Cor-de-Rosa, abandonou Portugal para rumar a Macau nos finais do Século XIX. 
 
Em Macau viveu com uma mulher chinesa, Atchan e estabeleceu amizade com o poeta Camilo Pessanha (no filme interpretado pelo próprio Paulo Rocha). Foi, no entanto, no Japão, que o escritor encontrou a “arte de viver” que o encantou e o fez deixar novamente o passado em busca de uma nova vida. No Japão Wenceslau conheceu e viu morrer duas mulheres, O-Yoné e a sobrinha desta, Ko-Haru. 

A morte é uma presença constante e fantasmagórica neste filme. Como, a dada altura é dito, “O encontro é o início da separação”. Também a vida é o início da morte. Nos últimos anos Wenceslau viveu mergulhado numa profunda e amarga solidão. O próprio escritor diz, numa carta enviada ao amigo Dias Branco: “Vivo de lembranças do passado. Mas o passado parece-me já um sonho, uma coisa que nunca teve realidade. Do futuro não falo, o futuro é para mim a morte e mais nada.”



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