Do discreto poeta que dá pelo nome de Richard Fleischer (a quem João Bénard da Costa chamou "o realizador do Balouço Vermelho" num muito bonito texto com o mesmo nome) e fazia filmes desde os anos 40, que desde essa altura tinha assinado coisas tão belas como Banjo, Follow Me Quietly, These Thousand Hills, Barabbas ou The Last Run (entre muitas outras grandes e pequenas maravilhas), The New Centurions é o filme que vamos exibir esta Terça-Feira.
Filme nocturno e realista, dará seguimento às questões melancolicamente colocadas em Electra Glide in Blue, filme que exibimos o mês passado. Também sobre polícias, também sobre solidão, também sobre a decadência de valores e da própria sociedade como um triste todo, sentida por quem a olha de muito perto e sofre por dentro.
Claro que nada disto é contado e mostrado como uma oposição simples entre bons e maus valores, mas sim como uma rede complexa de acções e relações. Pois como o próprio Richard Fleischer admitiu à revista espanhola Film Ideal em 1964, "eu não gosto das pessoas que fazem tudo bem, que levam a cabo feitos como se nada fosse. Não acredito que essas pessoas existam no mundo. Gosto de destruir essa pequena ilusão que o público tem de que somos todos ou muito bons ou muito maus. Somos todos um mistura louca de ambas as coisas, e é bom que o público se dê conta dessa realidade."
Para ficarmos por Espanha, Jesús Cortés, que em Março nos apresentou Phantom Lady, escreveu no seu blog que "Poucos filmes do seu tempo o contêm todo.
"Pode-se pensar que era a sina desses anos, em que soavam trovões porque se anunciava uma boa tempestade depois do verão.
"Olhando para a música que passava na rádio, lá estavam as melodias desconcertantes de Transformer, as feias New York Dolls olhavam lascivamente de um sofá, chegava como um boomerang a grande resposta "negra", directamente do continente onde tudo começou, There's a riot goin' on, explodiam sombria ou animadamente Raw power e Maggot brain... mas também floresciam, incólumes, os Tapestry, All the young dudes, American beauty, #1 Record ou Grievous angel.
"Nalgum lugar privilegiado e suficientemente alto para poder entrever ambos os lados da barricada está The new centurions."
No Dictionnaire du Cinéma - Les Films, Jacques Lourcelles escreveu (revelando cenas importantes do filme - deixamos o aviso): "Baseado no romance de Joseph Wambaugh, antigo sargento da polícia de Los Angeles, é um dos filmes policiais mais originais e mais carregados de significado do cinema americano dos anos 70. Fleischer não procura, como Don Siegel com Dirty Harry, criar um novo herói nem cultivar o espectacular. Realista, documental, o filme tenta mostrar o mais concretamente possível a degradação da vida nas cidades e a desmoralização resultante em certos polícias, incapazes de cumprir o seu ofício e conciliar o cumprimento das regras com o controlo da realidade. O veterano mal acredita no seu ofício, mas depois de alguns meses de reforma não consegue suportar a inactividade (e comete suicídio num plano-sequência sublime), enquanto que o seu colega cumpre a sua missão como um desafio permanente que, por fim, irá perder. O pessimismo do filme é profundo e especialmente mais convincente por se exprimir num classicismo perfeito da mise en scène, por uma sucessão de episódios variada cuja balança moral e humana se revela tragicamente negativa. No plano de fundo da acção, há a decadência de uma civilização, tema privilegiado de Fleischer, captado aqui com uma espécie de consciência patética do nada que, melhor do que qualquer discurso que seja, afunda o espectador na inquietação e na perplexidade. Fleischer escolheu como intérpretes dois dos melhores actores do momento, Stacy Keach e George C. Scott, grandes artistas em vez de stars. Tornado ainda melhor pela sua associação, as interpretações deles atestam uma credibilidade realista e um pendor de sobriedade bastante impressionantes. A vontade do realizador em circunscrever o detalhe da acção mais de perto e com uma mobilidade extrema obrigou a equipa técnica, que trabalhava apenas em exteriores reais, a executar proezas, especialmente de iluminação. Invisíveis enquanto tais, elas contribuíram grandemente para dar ao filme a sua força concreta e trágica. Ralph Woolsey descreveu-as num artigo da « American Cinematographer », setembro de 1972, a grande revista americana dedicada aos aspectos técnicos da criação cinematográfica."
Até Terça!
"Pode-se pensar que era a sina desses anos, em que soavam trovões porque se anunciava uma boa tempestade depois do verão.
"Olhando para a música que passava na rádio, lá estavam as melodias desconcertantes de Transformer, as feias New York Dolls olhavam lascivamente de um sofá, chegava como um boomerang a grande resposta "negra", directamente do continente onde tudo começou, There's a riot goin' on, explodiam sombria ou animadamente Raw power e Maggot brain... mas também floresciam, incólumes, os Tapestry, All the young dudes, American beauty, #1 Record ou Grievous angel.
"Nalgum lugar privilegiado e suficientemente alto para poder entrever ambos os lados da barricada está The new centurions."
No Dictionnaire du Cinéma - Les Films, Jacques Lourcelles escreveu (revelando cenas importantes do filme - deixamos o aviso): "Baseado no romance de Joseph Wambaugh, antigo sargento da polícia de Los Angeles, é um dos filmes policiais mais originais e mais carregados de significado do cinema americano dos anos 70. Fleischer não procura, como Don Siegel com Dirty Harry, criar um novo herói nem cultivar o espectacular. Realista, documental, o filme tenta mostrar o mais concretamente possível a degradação da vida nas cidades e a desmoralização resultante em certos polícias, incapazes de cumprir o seu ofício e conciliar o cumprimento das regras com o controlo da realidade. O veterano mal acredita no seu ofício, mas depois de alguns meses de reforma não consegue suportar a inactividade (e comete suicídio num plano-sequência sublime), enquanto que o seu colega cumpre a sua missão como um desafio permanente que, por fim, irá perder. O pessimismo do filme é profundo e especialmente mais convincente por se exprimir num classicismo perfeito da mise en scène, por uma sucessão de episódios variada cuja balança moral e humana se revela tragicamente negativa. No plano de fundo da acção, há a decadência de uma civilização, tema privilegiado de Fleischer, captado aqui com uma espécie de consciência patética do nada que, melhor do que qualquer discurso que seja, afunda o espectador na inquietação e na perplexidade. Fleischer escolheu como intérpretes dois dos melhores actores do momento, Stacy Keach e George C. Scott, grandes artistas em vez de stars. Tornado ainda melhor pela sua associação, as interpretações deles atestam uma credibilidade realista e um pendor de sobriedade bastante impressionantes. A vontade do realizador em circunscrever o detalhe da acção mais de perto e com uma mobilidade extrema obrigou a equipa técnica, que trabalhava apenas em exteriores reais, a executar proezas, especialmente de iluminação. Invisíveis enquanto tais, elas contribuíram grandemente para dar ao filme a sua força concreta e trágica. Ralph Woolsey descreveu-as num artigo da « American Cinematographer », setembro de 1972, a grande revista americana dedicada aos aspectos técnicos da criação cinematográfica."
Até Terça!
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