Realizado entre as duas primeiras partes do monumental fresco familiar da saga O Padrinho, e antes da demência irracional de Apocalipse Now, O Vigilante é um "pequeno" filme de Francis Ford Coppola que vai ao osso de todas as questões da guerra oficial e da guerra privada, da casa e do mundo, do barulho e do silêncio sufocantes.
Pequeno, intimista, sussurrado, mas avassalador na dimensão paranóica que assola o protagonista Gene Hackman e mais amplamente uma América estilhaçada na sua representação e nos seus augúrios.
A imagem em rota de colisão com o som, o que se escuta a contradizer o que se vê, as certezas a desvanecerem-se no ar do tempo triste, cansado e sem rumo. Almas sangradas e matéria doente, o horror, como no inclassificável quadro final.
Um filme muito especial, a nossa próxima sessão e uma das obras preferidas do seu autor, junto a The Rain People. Sobre a génese do filme, Coppola disse a Brian De Palma (que faria mais tarde um filme que deve muito ao de Coppola, Blow Out) que "este projecto começou de forma diferente de outras coisas que fiz, porque em vez de o começar a escrever movido por algo emocional - a identidade emocional de pessoas que conheci - comecei-o como uma espécie de puzzle, coisa que nunca fiz e que penso que nunca mais vou fazer.
"Por outras palavras, começou como uma premissa. Eu disse, "acho que quero fazer um filme sobre espionagem e privacidade, e quero que seja sobre o tipo que a faz e não sobre as pessoas a que é feita." Depois algures no caminho tive a ideia de usar a repetição, de expôr novos níveis de informação não através da exposição mas da repetição. E não como Rashomon em que se apresenta isso de maneiras diferentes a cada passo - deixá-las ser as mesmas linhas de diálogo mas ter novos significados em contexto. Por outras palavras, à medida que o filme avança, o público alinha com ele porque se está constantemente a dar-lhes as mesmas linhas de diálogo que já tinham ouvido, mas quando eles sabem um bocado mais sobre a situação vão interpretar as coisas de maneira diferente. Essa era a ideia original."
Jean Tulard, no Dictionnaire du Cinéma - Les Realisateurs, descreveu a obra de Coppola como "um cinema à escala dos Estados Unidos. Filho do maestro e compositor Carmine Coppola, apaixonado por cinema desde 1948, ao ponto de filmar mesmo filmes amadores em 16mm, aprendeu os métodos de trabalho moderno com Roger Corman que era produtor e realizador ao mesmo tempo, e que se esforçava por reunir jovens cineastas em torno de si. Rapidez e eficácia eram as palavras de ordem de Corman para quem Coppola rodará vários filmes em segunda unidade bem como Dementia 13 (...) Em 1968, estabelece-se em Los Angeles e funda a American Zoetrope onde trabalha uma nova geração: Scorsese, Milius, Lucas; depois, em 1971, cria com Bogdanovich e Friedkin a Director's Company. O seu primeiro sucesso, O Padrinho, renova o tema do filme de gangsters. Dá uma sensação de esmagamento e tédio, em relação ao livro, e, sobre o tema da Máfia de bandos antigos, é lícito preferir A Mão Negra de Thorpe ou Pay or Die de Richard Wilson. Tal não foi a opinião do público. Coppola dará ao seu Padrinho uma continuação que parece mais incisiva e mais controlada. No intervalo, rodou um filme muito moderno quanto ao seu tema e ao seu tratamento: O Vigilante. O gosto de Coppola pela desmesura explode com Apocalypse Now, adaptação - muito distante do original - de um romance de Conrad transposta para a guerra da Indochina. Duma perfeição técnica raramente alcançada, esta obra impressiona mais pela qualidade da imagem e do som que pelo carácter visionário e as intenções - ambíguas, aliás - que Coppola desejou lá pôr. Esse continua a trabalhar no sentido de um aperfeiçoamento de técnicas e a preparar o cinema de amanhã, ou seja o cinema electrónico. Descobre Abel Gance em 1980 e faz projectar o seu imortal e sempre jovem Napoléon nos Estados Unidos, com uma orquestra de 60 músicos para o acompanhar, com música de Coppola pai. Encontram-se assim dois pioneiros que não conheciam o significado de moderação. Deixando a desmesura, Coppola oferece dois filmes sobre a juventude delinquente, Outsiders e Rumble Fish, de um tom mais próximo das obras de Borzage e que são ambos muito bem conseguidos. Regresso ao gigantesco com Cotton Club, crónica dos anos 30, um dos filmes mais caros da história do cinema. Gardens of Stone dá-nos o revés da guerra do Vietname: o regresso dos restos mortais e a cerimónia fúnebre. Um filme admirável que se re-descobrirá, de resto como a biografia exemplar de um construtor de automóveis: Tucker. As suas dificuldades financeiras obrigam-no a rodar uma terceira versão do Padrinho. E talvez seja a melhor com um final deslumbrante na ópera. Prova que ele não perdeu nenhum do seu talento."
Finalmente, Jean Douchet, que nos apresentou Marnie em Julho e esteve em Portugal a convite do Festival de Cinema de Lisboa e do Estoril esta semana para apresentar vários filmes de Jean-Luc Godard, escreveu no 494º número da L'Avant-scène du cinéma que "O Vigilante é, sem qualquer dúvida, um dos maiores filmes de Francis Ford Coppola e certamente um dos menos conhecidos. Produção completamente independente, rodada na sequência do sucesso do Padrinho, o filme foi considerado durante muito tempo como um desses admiráveis opus menores de um autor habituado às obras-primas de grande orçamento. Graças a este novo lançamento, os jovens cinéfilos voltarão a pô-lo no seu verdadeiro lugar no seio da filmografia de Coppola - um dos primeiros."
Até Terça-Feira!
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