terça-feira, 5 de junho de 2018

99ª sessão: dia 8 de Junho (Sexta-Feira), às 21h30


A prática do remake é muito mal vista um bocado por todo o lado, nos tempos que correm, embora cineastas tão diversos e talentosos como D.W. Griffith, Fritz Lang, John Ford, Howard Hawks, Cecil B. DeMille, Yasujiro Ozu, Leo McCarey ou Michael Cimino os tenham feito e com muito belos resultados. O filme da nossa próxima sessão na velha-a-branca, Breathless de Jim McBride, é visto ao mesmo tempo como crime de lesa-majestade e como um filme superior ao original (deixamos a decisão ao espectador). Será apresentado em vídeo pelo realizador, que encontramos o mês passado em Lisboa.

Para a Film Comment, e sobre a responsabilidade e o sacrilégio de refazer o filme de Godard, McBride disse que "eu era um grande fã do filme original. Se foi apenas uma coisa, então O Acossado foi o que me fez querer fazer filmes. Mas na realidade, a oportunidade de fazer um remake deste filme que tanto adorava surgiu de forma um tanto acidental, e quando estava mesmo para acontecer pareceu-me ridículo. Fiquei terrivelmente envergonhado! Eu estava mesmo só a tirar proveito de uma oportunidade que me deu uma chance de realizar um filme. Claro que quando o Kit Carson e eu o estávamos a escrever, evoluiu para outra coisa.

"Posso dizer que demos tudo por tudo para tentar contar a mesma história com as mesmas personagens, mas de uma maneira muito diferente e mais convencionalmente hollywoodiana. Quando estávamos a escrever o guião, encontrei uma cópia de uma revista francesa que costumava reproduzir argumentos de filmes que se achavam importantes. Eles tinham o argumento do Acossado e eu até o traduzi para inglês e depois trabalhei a partir disso quando começámos a escrever o nosso argumento. Enquanto avançava, tirávamos e adicionávamos coisas. As coisas mudam a cada passo do caminho, com a escolha dos actores, dos locais de filmagem, encontrar o director de fotografia. Cada situação muda as coisas, e no fim era algo muito diferente do original, para o bem ou para o mal."

Quando o AV Club perguntou a L.M. Kit Carson, argumentista de Breathless (mas também de Paris, Texas e de Texas Chainsaw Massacre 2), como se envolveu no projecto, ele respondeu que "isso veio do McBride. Ele disse, “tenho uma ideia para o fazer em L.A. e inverter os papéis.” Então escrevemos um primeiro rascunho, e à volta dessa altura eu tinha desenvolvido uma espécie de relação com o Godard. Ele vinha para L.A. e andava a querer encontrar-se com estúdios para financiarem um filme, e a ficar no Chateau Marmont, e a pedir-nos para o levar connosco de carro. Portanto eu e o McBride andamos com ele de carro por uma semana, e no final da semana dissemos, “Nós gostávamos de fazer o Acossado em L.A.” Um dia depois, quando o fomos buscar, ele pegou num guardanapo, e escreveu lá, “Têm os direitos do Acossado, Jean-Luc Godard,” e passou-o para as nossas mãos. Isto é verdade, man. Portanto, claro, quando fizemos finalmente o acordo, a Orion teve de mandar uma data de advogados à França para descobrir a quem mais é que ele tinha dito isso. E conseguimos ficar com eles."

No site À Pala de Walsh, João Lameira, um dos poucos defensores do filme de McBride em Portugal (e que nos apresentou O Circo de Charlie Chaplin, em Janeiro), escreveu num texto que agora se pode ler na colectânea O Cinema não Morreu - Crítica e Cinefilia À Pala de Walsh que "se o remake americano já é tão mal afamado, um remake americano de um importantíssimo filme francês, para mais, símbolo da Nouvelle Vague, o movimento que causou a grande ruptura na sétima arte na segunda metade do séc. XX, só pode ser considerado crime de lesa-cinema. Jim McBride foi o autor do maior desses crimes: em 1983, refez À bout de souffle (O Acossado, 1960), do intocável Jean-Luc Godard. No entanto, contra todos os insultos instantâneos e expectativas negativas que a palavra remake (ou pior ainda, a sequência de palavras “remake de À bout de souffle“) provoca, Breathless (O Último Fôlego) é um belíssimo filme, que não desmerece o original e, blasfémia!, é capaz de lhe ser superior.

"À primeira vista, Breathless parece frívolo e superficial: as cores vibrantes, a arquitectura moderna (Los Angeles, mais do que um simples cenário, plays itself, como diria Thom Andersen), a música berrante (rock dos anos 50, Jerry Lee Lewis à cabeça), o picante sexual (os corpos esbeltos de Richard Gere e Valérie Kaprisky que se encontram nalgumas cenas tórridas). E as aparências não iludem totalmente. McBride pega na estética de banda desenhada — o Silver Surfer é uma espécie de figura titular, cujas histórias Jesse, o prota- gonista, lê constantemente; histórias essas que comentam e reflectem a sua —, não com a indiferença dos da Pop Art mas com um sincero prazer que incendeia a película (esta imagem não vem por acaso: Tarantino, que fez arder um cinema com Hitler lá dentro, declarou em tempos a sua paixão por este filme), figurando em traços grossos a definição (já tão essencial) do cinema ditada por Samuel Fuller noutro Godard, Pierrot le fou (Pedro o Louco, 1965): “Amor! Ódio! Acção! Violência! Morte! Numa palavra: Emoções!” (E Breathless bem podia ser a versão de Fuller de À bout de souffle.)"

Até Sexta-Feira!

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