Depois da exibição do belíssimo Un condamné à mort s'est échappé ou Le vent souffle où il veut em Maio do ano passado, voltamos a Robert Bresson e ao cinematógrafo, ao seu método livre e à emoção dos gestos dos seus "modelos" e do encadeamento inaudito dos seus planos. Esta semana veremos a mais famosa das suas obras, Pickpocket, na Casa do Professor.
No livro essencial Les Grands Cinéastes Que Je Propose, Henri Agel escreve que "entre os autores de filmes dignos desse nome, talvez nenhum tenha meditado de forma mais séria sobre a sétima arte do que Robert Bresson. E é precisamente isso que faz a sua glória e a sua irredutível solidão. Pode ser que, ainda durante muito tempo, uns vejam nele um dos muito poucos - talvez o único junto a Dreyer - que tenham escrito verdadeiramente em termos de cinema, enquanto que outros lhe recusem o título de cineasta talentoso que autorizam a Rossellini ou a Renoir. Bresson pensa a sua arte em vez de a sentir: é sem dúvida isso o que torna tão difícil uma avaliação justa do seu papel. Aos olhos dele, a escrita cinematográfica ainda está na sua infância. Poucos cineastas compreenderam a verdade fundamental: «O cinema não é a fotografia de qualquer coisa, é qualquer coisa em si mesmo.»"
Em entrevista a Jean Douchet, nos anos idos de cinquenta e para a revista Arts, Bresson disse que queria fazer de Pickpocket "um filme de mãos, de olhares e de objectos, recusar tudo o que é teatro. O teatro mata o cinema e o cinema mata o teatro. Num filme, é o homem que é preciso. O actor, mesmo e sobretudo cheio de talento, dá-nos uma imagem demasiado simples e portanto falsa de um ser humano. Não é o que os meus intérpretes me mostram que é importante. É tudo o que me escondem. Un regard pris à l'improvise peut être sublime.
"O actor projecta-se. O movimento é de dentro para fora. Num filme, é ao contrário. É preciso que tudo esteja bem no interior, que nada escape. Às vezes digo aos meus intérpretes: «Quando falarem, falem para vocês próprios.»
"«Todo o movimento nos descobre», disse Montaigne. Para mim, os gestos e as palavras não são o essencial de um filme. O essencial é a coisa, ou as coisas, que eles provocam."
No Dictionnaire, Jacques Lourcelles diz-nos: "Muito vagamente inspirado em «Crime e Castigo», aqui está o ápice da obra de Bresson, um filme límpido e misterioso, evidente e secreto, uma jóia do cinema francês. Não só o seu conteúdo, como o seu tema parecem deixados à livre interpretação do espectador. Para nós, o roubo é aqui a metáfora de todas as actividades realizadas fora e contra a sociedade, de todas as formas de energia que, não servindo a sociedade, a negam. (Pickpocket também podia muito bem ser, por exemplo, um filme sobre o engate homossexual ou sobre a paixão pelo jogo.) Não encontrando justificação a não ser em si mesmas, estas actividades têm um forte coeficiente lúdico. Se se acrescentarem, na descrição aqui dada por Bresson, uma paixão, uma virtuosidade, uma clandestinidade e um sentimento de perigo que são fontes de prazer tanto para quem as realiza como para quem as vê. Pickpocket podia ter pedido emprestado o seu título ao filme de Ophuls baseado em Maupassant. Outra característica destas actividades: elas acontecem para aquele que as realiza, e mesmo quando precisam de parceiros, numa solidão total e que talvez equacione Michel a um herói de westerns, vertiginosamente exaltado por ficar sozinho ao longo da imensidão dos territórios que percorre. Livre interpretação do espectador também no que diz respeito ao desenlace (o que quer dizer tudo que tem lugar depois do regresso de Inglaterra, a que Bresson quis conceder uma espécie de irrealismo, ou de eternidade, mostrando Michel com a mesma roupa anterior à partida). Podemos considerar esse desenlace como uma concretização espiritual do percurso vivido por Michel (concretização que nega tudo o que ele tinha sido anteriormente). Ou, pelo contrário, como uma convenção, parecida com aquela que encerra certos romances licenciosos em que as personagens, depois dos seus excessos, regressam ou fingem regressar à ordem. Aqui, Michel muda radicalmente, morre para o que tinha sido. Isto é um engodo ou a descoberta da sua verdade? No fundo, pouco importa, porque é neste momento que cai o pano e a obra é concluída. Purificando-o, Bresson reutiliza o modo de narração do Diário dum Pároco de Aldeia: um diário lido e escrito (às vezes apenas lido) pelo herói e que fragmenta a acção em pequenas unidades encerradas em si mesmas, que compõem uma temporalidade específica, muito distante do tempo «real» onde vivem a sociedade e o resto da humanidade. Essa temporalidade também reflecte o tempo tal como o vemos quando estamos em solidão total, próxima do misticismo ou da loucura. O diário do pároco de aldeia dirigia-se a Deus, o de Michel dirige-se ao espectador, obrigado por este artifício supremo a penetrar na sua intimidade e a tornar-se um pouco nele. Sumptuosa e jubilatória, a música de Lulli não é posta sobre o filme, emana dele como emana a de Vivaldi da Carrosse d'or. O filme de Bresson tem de resto um rigor, uma ironia e graciosidades herdadas do Grande Século, uma mistura de despojamento e preciosidade completamente contrários à sensibilidade moderna (pelo menos àquela que prevalece em França há trinta anos).
No livro essencial Les Grands Cinéastes Que Je Propose, Henri Agel escreve que "entre os autores de filmes dignos desse nome, talvez nenhum tenha meditado de forma mais séria sobre a sétima arte do que Robert Bresson. E é precisamente isso que faz a sua glória e a sua irredutível solidão. Pode ser que, ainda durante muito tempo, uns vejam nele um dos muito poucos - talvez o único junto a Dreyer - que tenham escrito verdadeiramente em termos de cinema, enquanto que outros lhe recusem o título de cineasta talentoso que autorizam a Rossellini ou a Renoir. Bresson pensa a sua arte em vez de a sentir: é sem dúvida isso o que torna tão difícil uma avaliação justa do seu papel. Aos olhos dele, a escrita cinematográfica ainda está na sua infância. Poucos cineastas compreenderam a verdade fundamental: «O cinema não é a fotografia de qualquer coisa, é qualquer coisa em si mesmo.»"
Em entrevista a Jean Douchet, nos anos idos de cinquenta e para a revista Arts, Bresson disse que queria fazer de Pickpocket "um filme de mãos, de olhares e de objectos, recusar tudo o que é teatro. O teatro mata o cinema e o cinema mata o teatro. Num filme, é o homem que é preciso. O actor, mesmo e sobretudo cheio de talento, dá-nos uma imagem demasiado simples e portanto falsa de um ser humano. Não é o que os meus intérpretes me mostram que é importante. É tudo o que me escondem. Un regard pris à l'improvise peut être sublime.
"O actor projecta-se. O movimento é de dentro para fora. Num filme, é ao contrário. É preciso que tudo esteja bem no interior, que nada escape. Às vezes digo aos meus intérpretes: «Quando falarem, falem para vocês próprios.»
"«Todo o movimento nos descobre», disse Montaigne. Para mim, os gestos e as palavras não são o essencial de um filme. O essencial é a coisa, ou as coisas, que eles provocam."
No Dictionnaire, Jacques Lourcelles diz-nos: "Muito vagamente inspirado em «Crime e Castigo», aqui está o ápice da obra de Bresson, um filme límpido e misterioso, evidente e secreto, uma jóia do cinema francês. Não só o seu conteúdo, como o seu tema parecem deixados à livre interpretação do espectador. Para nós, o roubo é aqui a metáfora de todas as actividades realizadas fora e contra a sociedade, de todas as formas de energia que, não servindo a sociedade, a negam. (Pickpocket também podia muito bem ser, por exemplo, um filme sobre o engate homossexual ou sobre a paixão pelo jogo.) Não encontrando justificação a não ser em si mesmas, estas actividades têm um forte coeficiente lúdico. Se se acrescentarem, na descrição aqui dada por Bresson, uma paixão, uma virtuosidade, uma clandestinidade e um sentimento de perigo que são fontes de prazer tanto para quem as realiza como para quem as vê. Pickpocket podia ter pedido emprestado o seu título ao filme de Ophuls baseado em Maupassant. Outra característica destas actividades: elas acontecem para aquele que as realiza, e mesmo quando precisam de parceiros, numa solidão total e que talvez equacione Michel a um herói de westerns, vertiginosamente exaltado por ficar sozinho ao longo da imensidão dos territórios que percorre. Livre interpretação do espectador também no que diz respeito ao desenlace (o que quer dizer tudo que tem lugar depois do regresso de Inglaterra, a que Bresson quis conceder uma espécie de irrealismo, ou de eternidade, mostrando Michel com a mesma roupa anterior à partida). Podemos considerar esse desenlace como uma concretização espiritual do percurso vivido por Michel (concretização que nega tudo o que ele tinha sido anteriormente). Ou, pelo contrário, como uma convenção, parecida com aquela que encerra certos romances licenciosos em que as personagens, depois dos seus excessos, regressam ou fingem regressar à ordem. Aqui, Michel muda radicalmente, morre para o que tinha sido. Isto é um engodo ou a descoberta da sua verdade? No fundo, pouco importa, porque é neste momento que cai o pano e a obra é concluída. Purificando-o, Bresson reutiliza o modo de narração do Diário dum Pároco de Aldeia: um diário lido e escrito (às vezes apenas lido) pelo herói e que fragmenta a acção em pequenas unidades encerradas em si mesmas, que compõem uma temporalidade específica, muito distante do tempo «real» onde vivem a sociedade e o resto da humanidade. Essa temporalidade também reflecte o tempo tal como o vemos quando estamos em solidão total, próxima do misticismo ou da loucura. O diário do pároco de aldeia dirigia-se a Deus, o de Michel dirige-se ao espectador, obrigado por este artifício supremo a penetrar na sua intimidade e a tornar-se um pouco nele. Sumptuosa e jubilatória, a música de Lulli não é posta sobre o filme, emana dele como emana a de Vivaldi da Carrosse d'or. O filme de Bresson tem de resto um rigor, uma ironia e graciosidades herdadas do Grande Século, uma mistura de despojamento e preciosidade completamente contrários à sensibilidade moderna (pelo menos àquela que prevalece em França há trinta anos).
"N.B. Seria apropriado que este filme secreto contivesse um segredo. Murmurou-se durante muito tempo que os diálogos tinham sido escritos ou largamente revistos por Cocteau (Cocteau já autor dos de As Damas do Bosque de Bolonha). Não veio prova alguma confirmar (ou invalidar) esse rumor.
"BIBLIO: Pierre Gabaston: «Pickpocket», Éditions Yellow Now, Crisnée, Bélgica, 1990. Este volume, muito pobre, contém duas breves entrevistas de Pierre Pelegri e de Marika Green («Bresson», diz ela, «que não quer de forma alguma estados de alma dos actores, nunca vai dizer que filme quer fazer. Guardo a lembrança de tomadas muito numerosas para cada cena. É preciso repetir o mesmo texto para expulsar toda a psicologia do personagem. Ele persiste em fazer sair e em extirpar qualquer tentativa de interpretação pessoal para recuperar aquilo que chama de natural.»)"
Até Quinta!
Até Quinta!
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