segunda-feira, 23 de setembro de 2019

143ª sessão: dia 26 de Setembro (Quinta-Feira), às 21h30


Esta semana voltamos ao cinema de Pedro Costa, que tem estado connosco desde a estreia do cineclube e do qual já vimos O Nosso Homem, No Quarto da Vanda, Juventude em Marcha (apresentado em vídeo pelo professor Carlos Melo Ferreira) e Cavalo Dinheiro. Sabendo do fascínio que Carlos Melo Ferreira sempre teve pela obra do cineasta português, dedicando-lhe um livro publicado ainda o ano passado, exibimos a sua segunda longa-metragem, Casa de Lava, a nossa próxima sessão no auditório da Casa do Professor.

No início da entrevista dada ao jornal Público por alturas da estreia do filme, Pedro Costa diz que "a Mariana é a única coisa de ficção que ficou no filme, em todas as suas componentes, traços, movimentos, sítios por onde passava, frases - foi o único diálogo onde não se mexeu, para além do trabalho normal de rodagem. Tudo o resto foi trabalhado à medida das pessoas, os cabo-verdianos, que ia encontrando. A vaga memória que tenho do argumento é a de uma história romanesca, num sítio exótico, com variadíssimos "pastiches" do I Walked with a Zombie [Jacques Tourneur], do Lord Jim, dos filmes de aventura do Tourneur, dos livros do Conrad, dos filmes de Fritz Lang. De todo o lado vinha uma frase, um cheiro. Mas o mais interessante foi que a decisão de partir para o mais longe possível nos aproximou - a mim, ao Pedro Hestnes e à Inês - de nós próprios.

"Acho que o filme é feito desse movimento: é um filme, por esse afastamento, muito mais aberto ao mundo político, social, e à vida, e que me esconde mais do que O Sangue. A Inês vejo-a muito pegada a mim, é o meu lado feminino nos dois filmes. Sou eu em mulher. Mas os outros - os cabo-verdianos, e quando falo nos cabo-verdianos falo no Pedro Hestnes, na Edith [Scob] e no Isaach [de Bankolé] - escondem-me muito. Tinha a sensação de que O Sangue era um filme de exposição, feito sobre sensações e sentimentos, em que tentávamos a todo o custo expor-nos e ser sinceros - quando no fundo estávamos a ser enganados pelo cinema."

No seu antigo blog, Disco Duro (que tem novas entradas em 2018 e até 2019), Luís Miguel Oliveira escreveu que "quando Casa de Lava estreou em 1995, ninguém, nem mesmo os que imediatamente o reconheceram como um título capital, podia imaginar o rasto – o rastilho – que este filme deixaria na obra de Pedro Costa. Esse rastilho ainda não deixou de arder, como sabe quem tem acompanhado essa obra, e como pôde confirmar quem já tiver visto o último filme de Costa, Cavalo Dinheiro. Mas em 1995 era inimaginável a consequência que Casa de Lava teria, ou a descendência: num certo sentido que não é preciso rebuscar muito, quase o que tudo o que Costa fez entre Ossos e Cavalo Dinheiro é um “filho” deste filme. 

"Rebuscando um bocadinho mais, aqueles planos do vulcão em erupção, o fogo na Ilha do Fogo, que abrem Casa de Lava (e que são extraídos a Erupção da Ilha do Fogo, de Orlando Ribeiro), têm hoje um duplo sentido: não anunciam apenas a natureza de um território específico, a ilha caboverdeana onde o essencial do filme decorre, anunciam também essa “lava” que Pedro Costa ainda não deixou de trabalhar. O espectador que nunca tenha visto Casa de Lava, mas conheça a obra posterior do realizador, não deixará de se espantar com a quantidade de coisas – por exemplo a carta dos “cem mil cigarros” – que aqui se prefiguram ou que depois serão liminarmente repetidas ou re-enunciadas noutros filmes."

Já Chris Fujiwara, no grande empreendimento editado por Ricardo Matos Cabo e chamado Cem Mil Cigarros - Os Filmes de Pedro Costa, escreve que "Casa de Lava é uma história de mistério cujo mistério reside no rosto das personagens, nos seus gestos, objectos e histórias, entre os quais as ligações são obscuras e aparentemente insondáveis. "Há muita coisa que menina não sabe nem adivinha", diz-se a Mariana; ou então: "Tu não sabes nada!" Os diálogos negam constantemente o conhecimento, ou então aludem à dificuldade em compreender, dando a entender que não é preciso resolver o mistério do filme e que é melhor não o perceber demasiado depressa.

"O mistério das origens ganha uma importância extrema. Casa de Lava torna as origens num problema, levando-nos a perguntar, em relação às personagens, de onde virão e para onde irão - e deixando-nos sem resposta clara. "- O Leão é seu filho? / - A Alina tem mais de vinte"; "- Porque é que vieste? - Não devias ter vindo"; "- Ela é tua mãe, não é? / - Esquece-a." Mariana assume, ou usurpa, a função de mãe, fazendo de Leão o seu filho adoptivo. Pergunta-lhe: "De que é que se lembra?", e ele responde, recompensando-a com as palavras de um filho inspirado: "Do sangue, do Escuro, [...] das tuas mãos, do teu cheiro." Ela gostava de acreditar, como lhe diz, que ele "agora vai começar uma vida nova". Mas vai-se embora quando lhe falam de uma outra vida nova, a do rapaz que Leão perfilhou. (Mariana passa grande parte do filme a afastar-se de outras pessoas - um percurso estranho para uma enfermeira: está sempre a partir, mas é difícil dizer para onde se dirige.)"

Até Quinta!

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