Nesta segunda semana de Setembro, voltamos ao género maior do western, depois de Stagecoach, Canyon Passage, O Rio Vermelho, Companheiros da Morte, The Man from Laramie, Ride Lonesome, A Distant Trumpet, Ulzana, o Perseguido, Heaven's Gate, Homem Morto e Rough Riders. Como não foi um género importante apenas para nós, deixamo-nos guiar (como no Rio Vermelho) por Carlos Melo Ferreira, fazendo de O Homem do Oeste a nossa próxima sessão no auditório da Casa do Professor.
Em entrevista a Christopher Wicking e Barry Pattison Anthony Mann fala dos seus arrependimentos (para nós incompreensíveis) em relação ao Homem do Oeste, dizendo que "foi escrito por Reginald Rose, que fez os Doze Homens em Fúria. E foi um bocado mais difícil, porque tinham comprado o guião dele e queriam mantê-lo, e eu na verdade não queria. (...) Era um argumento original. E eu tive de o tentar tirar da sua rigidez, que era maioritariamente conversa. Teria mudado completamente a rapariga, se ao menos tivesse insistido o suficiente. Mas não fui capaz de convencer os tipos que estavam a produzir. Acabei por convencer Cooper, mas por essa altura era tarde demais. (...) Ela seria a esposa dele. Teria sido muito mais comovente. A outra rapariga era estúpida, e eu odiava isso, e queria-o mudar, e eles não me deixavam. Imagine só se a esposa tivesse de fazer o que ela tem de fazer. Aí torna-se muito mais pungente; aí ele lutava até à morte. (...) se tivesse sido pela mulher que ele se estivesse a vingar, tinha sido aterrador! Tinha sido um grande filme. Quase foi, mas podia ter tido essa diferença. Havia este mal, e um homem a tentar destruir o seu próprio mal. E é por isso que se tivesse sido a mulher, era muito melhor. Mas era um homem que olhava para o passado dele e dizia: "Tenho de destruir o que tenho sido a todo o custo." Tenta fugir disso; consegue escapar, mas agora a coisa volta. É mais uma vez confrontado com o seu próprio mal. Sabe que foi esse tipo de pessoa - conseguia suportá-lo? Ou degeneraria outra vez?"
No conhecidíssimo texto que escreveu sobre o filme e sobre Mann no nº 92 dos Cahiers du Cinéma, «Super Mann», Jean-Luc Godard conta-nos que "um homem (Gary Cooper) está num pequeno comboio local quando é atacado por bandidos. Tenta regressar à civilização junto a dois companheiros de viagem fortuitos, um jogador profissional (Arthur O'Connell) e uma rapariga de sallon (Julie London). Acabam os três no esconderijo dos bandidos (entre os bandidos está o amante de livros tuberculoso de Johnny Guitar - Royal Dano), e de repente descobrimos que o homem o Oeste é nada menos que o sobrinho do líder, que costumava pertencer ao bando mas desistiu de tudo para levar uma existência mais cristã sob outros céus. Mas o velho meio louco (Lee J. Cobb) que lidera os fora-da-lei acredita que o sobrinho dele voltou mesmo. Segundo o nosso herói, a única forma de evitar o desastre para os seus companheiros é não o desiludir. Infelizmente aparece um primo, inesperadamente. Mostra ser muito menos crédulo do que o tio. Esta odisseia termina finalmente com um massacre terrível numa cidade deserta. Gary Cooper e Julie London escapam ilesos. Mas como não estão apaixonados (os beijos em O Homem do Oeste figuram de forma tão proeminente como em The Tin Star), decidem seguir cada um o seu caminho enquanto aparecem os créditos finais.
"O guião é de Reginald Rose, que também escreveu Doze Homens em Fúria. Portanto pode-se ver que O Homem do Oeste pertence, a priori, a esses "super-Westerns" de que falou André Bazin. Embora quando se pense em Shane ou High Noon, seja provável que isso, ainda a priori, seja um defeito. Especialmente à medida que, a partir de Men in War e The Tin Star, a arte de Anthony Mann parecia estar a evoluir na direcção de um esquematismo da mise en scène puramente teórico, directamente oposta à de Esporas de Aço, Terra Distante, The Last Frontier ou mesmo The Man from Laramie. A este respeito, ver God's Little Acre foi tão deprimente como catastrófico. Mas esta deterioração inequívoca, esta aparente secura no mais Virgiliano dos cineastas... se se olhar outra vez para The Man from Laramie, The Tin Star e O Homem do Oeste em sequência, pode bem ser que esta simplificação extrema seja uma tentativa, e a construção dramática sistematicamente mais linear uma procura: em cujo caso a tentativa e a procura seriam um passo em frente em si mesmas, como agora revela O Homem do Oeste. Portanto, este último filme seria em certo sentido a sua Elena, e The Man from Laramie a sua Carrosse d'or, The Tin Star o seu French-Cancan."
No Dicionário do Cinema, Lourcelles escreve que o filme é "o testamento de Anthony Mann. É também um dos seus mais belos westerns e um dos muito grandes filmes americanos, prova da glória do cinema hollywoodiano nas últimas horas da sua supremacia. Como a maior parte das obras-primas americanas, é um filme de autor a cem por cento, cuja originalidade, força de renovação e dureza do tema desconcertaram mesmo os aficionados do realizador, na estreia. A personagem de Gary Cooper vive uma experiência que prolonga com uma crueldade extrema as dos diversos heróis interpretados por James Stewart na série de cinco westerns que filmou sob a direcção de Anthony Mann. Como eles, Link Jones tem um passado carregado de segredos. Como eles, passou por um percurso que o levou a integrar-se numa comunidade organizada. Mas nos dias de hoje esses segredos reaparecem com uma força e uma violência trágicas que o vão obrigar a matar esse passado uma segunda vez. Ele fá-lo-á ao longo de uma verdadeira descida aos infernos que acontece em paisagens rochosas e desoladas que contrastam com as paisagens verdejantes que de forma geral apaixonam A. Mann. Num certo sentido, as paisagens mostradas aqui fecham o círculo das de Winchester 73, mas têm ainda mais alcance e mais ressonância. Vincadas como gravuras em metal, elas ajudam as personagens e em particular Dock Tobin, o segundo herói do filme, a adquirir esse relevo shakespeariano incansavelmente procurado por Anthony Mann. Como sempre com ele, o uso do Cinemascope é hábil e denso. Graças a uma disposição extremamente variada das personagens no plano e no cenário, isso resulta com frequência em que cada plano equivalha a vários planos cuja intensidade dramática se acrescenta até à inquietação. Mesmo nos planos fixos, a escolha do enquadramento mostra as diferentes personagens sob ângulos tão variados que existem, por assim dizer, verdadeiros cortes no interior do plano. As relações entre as personagens, a atmosfera do seu último encontro e mesmo o estilo da obra beiram o fantástico pela sua intensidade, mantendo-se perfeitamente realistas devido ao seu conteúdo. E isso pode ser considerado como uma novidade radical em relação aos cinco westerns com James Stewart. O ressurgimento do passado faz da tragédia de O Homem do Oeste um reencontro de fantasmas, situado em locais (Lassoo, o acampamento no meio dos rochedos) também eles fantasmagóricos. Entre estes fantasmas reina a violência mais selvagem, que Mann descreve sem a menor complacência, mas pelo contrário com uma repugnância e uma vontade de condenação ainda mais acentuadas que nos seus filmes anteriores. O quadro aterrador do clã Tobin a render-se sem freios à sua loucura, à sua avareza, aos seus instintos de morte, ao seu total desprezo pelos outros exprime a necessidade absoluta da « law and order », da construção de uma ordem social coerente e sólida que Mann sempre advogou e defendeu. Não descrita directamente na intriga, essa ordem social só está presente no filme através de algumas frases lacónicas do herói, quando evoca a vida nova que conseguiu criar para si muito longe dali. O sentimento da necessidade de uma tal ordem constitui o fundamento e a unidade dos westerns de Mann; ele encontra a sua expressão limite na ficção às vezes elíptica e atroz de O Homem do Oeste."
Até Quinta!
Em entrevista a Christopher Wicking e Barry Pattison Anthony Mann fala dos seus arrependimentos (para nós incompreensíveis) em relação ao Homem do Oeste, dizendo que "foi escrito por Reginald Rose, que fez os Doze Homens em Fúria. E foi um bocado mais difícil, porque tinham comprado o guião dele e queriam mantê-lo, e eu na verdade não queria. (...) Era um argumento original. E eu tive de o tentar tirar da sua rigidez, que era maioritariamente conversa. Teria mudado completamente a rapariga, se ao menos tivesse insistido o suficiente. Mas não fui capaz de convencer os tipos que estavam a produzir. Acabei por convencer Cooper, mas por essa altura era tarde demais. (...) Ela seria a esposa dele. Teria sido muito mais comovente. A outra rapariga era estúpida, e eu odiava isso, e queria-o mudar, e eles não me deixavam. Imagine só se a esposa tivesse de fazer o que ela tem de fazer. Aí torna-se muito mais pungente; aí ele lutava até à morte. (...) se tivesse sido pela mulher que ele se estivesse a vingar, tinha sido aterrador! Tinha sido um grande filme. Quase foi, mas podia ter tido essa diferença. Havia este mal, e um homem a tentar destruir o seu próprio mal. E é por isso que se tivesse sido a mulher, era muito melhor. Mas era um homem que olhava para o passado dele e dizia: "Tenho de destruir o que tenho sido a todo o custo." Tenta fugir disso; consegue escapar, mas agora a coisa volta. É mais uma vez confrontado com o seu próprio mal. Sabe que foi esse tipo de pessoa - conseguia suportá-lo? Ou degeneraria outra vez?"
No conhecidíssimo texto que escreveu sobre o filme e sobre Mann no nº 92 dos Cahiers du Cinéma, «Super Mann», Jean-Luc Godard conta-nos que "um homem (Gary Cooper) está num pequeno comboio local quando é atacado por bandidos. Tenta regressar à civilização junto a dois companheiros de viagem fortuitos, um jogador profissional (Arthur O'Connell) e uma rapariga de sallon (Julie London). Acabam os três no esconderijo dos bandidos (entre os bandidos está o amante de livros tuberculoso de Johnny Guitar - Royal Dano), e de repente descobrimos que o homem o Oeste é nada menos que o sobrinho do líder, que costumava pertencer ao bando mas desistiu de tudo para levar uma existência mais cristã sob outros céus. Mas o velho meio louco (Lee J. Cobb) que lidera os fora-da-lei acredita que o sobrinho dele voltou mesmo. Segundo o nosso herói, a única forma de evitar o desastre para os seus companheiros é não o desiludir. Infelizmente aparece um primo, inesperadamente. Mostra ser muito menos crédulo do que o tio. Esta odisseia termina finalmente com um massacre terrível numa cidade deserta. Gary Cooper e Julie London escapam ilesos. Mas como não estão apaixonados (os beijos em O Homem do Oeste figuram de forma tão proeminente como em The Tin Star), decidem seguir cada um o seu caminho enquanto aparecem os créditos finais.
"O guião é de Reginald Rose, que também escreveu Doze Homens em Fúria. Portanto pode-se ver que O Homem do Oeste pertence, a priori, a esses "super-Westerns" de que falou André Bazin. Embora quando se pense em Shane ou High Noon, seja provável que isso, ainda a priori, seja um defeito. Especialmente à medida que, a partir de Men in War e The Tin Star, a arte de Anthony Mann parecia estar a evoluir na direcção de um esquematismo da mise en scène puramente teórico, directamente oposta à de Esporas de Aço, Terra Distante, The Last Frontier ou mesmo The Man from Laramie. A este respeito, ver God's Little Acre foi tão deprimente como catastrófico. Mas esta deterioração inequívoca, esta aparente secura no mais Virgiliano dos cineastas... se se olhar outra vez para The Man from Laramie, The Tin Star e O Homem do Oeste em sequência, pode bem ser que esta simplificação extrema seja uma tentativa, e a construção dramática sistematicamente mais linear uma procura: em cujo caso a tentativa e a procura seriam um passo em frente em si mesmas, como agora revela O Homem do Oeste. Portanto, este último filme seria em certo sentido a sua Elena, e The Man from Laramie a sua Carrosse d'or, The Tin Star o seu French-Cancan."
No Dicionário do Cinema, Lourcelles escreve que o filme é "o testamento de Anthony Mann. É também um dos seus mais belos westerns e um dos muito grandes filmes americanos, prova da glória do cinema hollywoodiano nas últimas horas da sua supremacia. Como a maior parte das obras-primas americanas, é um filme de autor a cem por cento, cuja originalidade, força de renovação e dureza do tema desconcertaram mesmo os aficionados do realizador, na estreia. A personagem de Gary Cooper vive uma experiência que prolonga com uma crueldade extrema as dos diversos heróis interpretados por James Stewart na série de cinco westerns que filmou sob a direcção de Anthony Mann. Como eles, Link Jones tem um passado carregado de segredos. Como eles, passou por um percurso que o levou a integrar-se numa comunidade organizada. Mas nos dias de hoje esses segredos reaparecem com uma força e uma violência trágicas que o vão obrigar a matar esse passado uma segunda vez. Ele fá-lo-á ao longo de uma verdadeira descida aos infernos que acontece em paisagens rochosas e desoladas que contrastam com as paisagens verdejantes que de forma geral apaixonam A. Mann. Num certo sentido, as paisagens mostradas aqui fecham o círculo das de Winchester 73, mas têm ainda mais alcance e mais ressonância. Vincadas como gravuras em metal, elas ajudam as personagens e em particular Dock Tobin, o segundo herói do filme, a adquirir esse relevo shakespeariano incansavelmente procurado por Anthony Mann. Como sempre com ele, o uso do Cinemascope é hábil e denso. Graças a uma disposição extremamente variada das personagens no plano e no cenário, isso resulta com frequência em que cada plano equivalha a vários planos cuja intensidade dramática se acrescenta até à inquietação. Mesmo nos planos fixos, a escolha do enquadramento mostra as diferentes personagens sob ângulos tão variados que existem, por assim dizer, verdadeiros cortes no interior do plano. As relações entre as personagens, a atmosfera do seu último encontro e mesmo o estilo da obra beiram o fantástico pela sua intensidade, mantendo-se perfeitamente realistas devido ao seu conteúdo. E isso pode ser considerado como uma novidade radical em relação aos cinco westerns com James Stewart. O ressurgimento do passado faz da tragédia de O Homem do Oeste um reencontro de fantasmas, situado em locais (Lassoo, o acampamento no meio dos rochedos) também eles fantasmagóricos. Entre estes fantasmas reina a violência mais selvagem, que Mann descreve sem a menor complacência, mas pelo contrário com uma repugnância e uma vontade de condenação ainda mais acentuadas que nos seus filmes anteriores. O quadro aterrador do clã Tobin a render-se sem freios à sua loucura, à sua avareza, aos seus instintos de morte, ao seu total desprezo pelos outros exprime a necessidade absoluta da « law and order », da construção de uma ordem social coerente e sólida que Mann sempre advogou e defendeu. Não descrita directamente na intriga, essa ordem social só está presente no filme através de algumas frases lacónicas do herói, quando evoca a vida nova que conseguiu criar para si muito longe dali. O sentimento da necessidade de uma tal ordem constitui o fundamento e a unidade dos westerns de Mann; ele encontra a sua expressão limite na ficção às vezes elíptica e atroz de O Homem do Oeste."
Até Quinta!
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