por João Palhares
Lisboa no Cinema – Um Ponto de Vista é o primeiro documentário realizado por Manuel Mozos e o seu terceiro filme, depois de Um Passo, Outro Passo e Depois... e Xavier, que até 1994 tinha sido a única coisa em que Mozos se concentrara e trabalhara, tirando um ou dois trabalhos de montagem para outros realizadores. “Não estava com vontade de voltar a filmar enquanto não acabasse o Xavier,” disse ele a Miguel Cipriano em 2009. Feito a propósito da Lisboa – Capital Europeia da Cultura, o documentário reúne imagens de vários filmes portugueses (do mudo ao sonoro) ambientados em Lisboa, seja como promessa cumprida ou gorada para quem chega da terra (Maria Papoila, Verdes Anos) ou labirinto cerrado e existencial para quem se enterra nela (O Cerco, O Fio do Horizonte), como palco de enganos inocentes (O Pai Tirano, O Leão da Estrela) ou funestos (Dina e Django, Os Cornos de Cronos), cidade branca (Lisboa, Crónica Anedótica, A Revolução de Maio) ou cidade negra (Duma Vez Por Todas, O Sangue), etc, etc.
Não nos são dados os exemplos mais óbvios (A Canção de Lisboa à cabeça, bem como O Pátio das Cantigas, apesar de ser mencionado por José Fonseca e Costa, ou a obra de João César Monteiro), e quem estiver à espera de um levantamento geográfico exaustivo das ruas e zonas em que se filmaram, de conversas com agentes políticos da cidade sobre rodagens e protocolos institucionais, pode esperar sentado. Em Lisboa no Cinema, a cidade é a da ficção. Os próprios testemunhos são divididos equitativamente com um plano para cada pessoa, como pilares, e mais para produzir novas paisagens temáticas (a “cidadezinha” de Luís Alvarães, as fachadas árabes de João Bénard da Costa, os labirintos de Fernando Lopes, a marginalidade de António da Cunha Telles). Assim, os detectives de Raul Solnado (O Bobo) e Claude Brasseur (O Fio do Horizonte) podem estar a seguir as pistas de Maria Cabral (O Cerco) ou Florbela Queirós e Lídia Franco (Canção da Saudade), as noites de Luís Lucas, Teresa Madruga e Vladimiro Franklin (Do Outro Lado do Espelho: Atlântida), Maria Santiago e Luís Lucas (Dina e Django), Maria de Medeiros e Rui Mendes (Paraíso Perdido), Pedro Hestnes e Inês de Medeiros (O Sangue) e Pedro Ayres Magalhães e Vicky de Almeida (Duma Vez por Todas) podem acontecer simultaneamente, há carros e barcos que se cruzam, destinos paralelos, conversas intercaladas, músicas sobrepostas, estranhos que enfim se passam a conhecer.
Se não fosse o loop e o scratch com a palavra “Lisboa” no final, de um disco riscado salvo de uma sala poeirenta e esquecida, só os anos 90 e a contemporaneidade à explosão do hip-hop nos permitiriam fazer a analogia, mas é muito provável que nunca ninguém tenha apelidado Manuel Mozos de grande DJ. E, no entanto, basta vê-lo em Tóbis Portuguesa (encomenda de Pedro Éfe e da RTP que veremos mais para a frente) a manobrar película com as mãos, para trás e para a frente, a fazer marcações para as próximas analogias, associações e sacrilégios. Preto, branco. Maio, Abril. Vasco Paulo Santana Rocha, Joaquim Pedro Leitão Costa. "I said a hip hop the hippie the hippie to the hip hip hop and you don't stop". Pois bem, faça-se isso agora.
“Então, Sr. Raúl, Lisboa está na mesma?”
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