domingo, 19 de março de 2017

52ª sessão: dia 21 de Março (Terça-Feira), às 21h30


A nossa próxima sessão será mais uma vez bastante especial, e foi preparada com bastante empenho. Do the Right Thing não é a primeira obra de Spike Lee, mas é o seu primeiro "joint" fundamental, abrindo para uma estética e pulsões que iriam marcar toda a década de 90 e o além que se seguiu. 

A velha e irresolúvel questão racial agora na modernidade e nos passeios da grande metrópole, Nova Iorque com os seus "guetos" e ideologias opostas, a música de "soco no estômago" dos Public Enemy, o Radio Raheem de Bill Nunn (a quem dedicaremos esta sessão) ou os movimentos estonteantes de Rosie Perez - a explosão de todo este calor e tensão. 

Por isso o impressionante arsenal técnico e os efeitos de Lee - da montagem laminante à câmara vigorosa - não emplacam nenhuma demagogia mas antes tudo complexificam e relacionam. Sem apelo nem agravo.

Carlão - o Pacman dos extintos mas nunca esquecidos Da Weasel, seminal banda que teve muito que ver com este cinema e esta cultura - concedeu-nos preciosas palavras sobre este seu filme de uma vida.

Em 2014, a propósito do vigésimo quinto aniversário do filme, Spike Lee disse à Rolling Stone que Do the Right Thing "foi rodado durante oito semanas, mas não podia parecer que tinha sido — era suposto passar-se num dia. Isso é difícil de fazer. E o desafio que deixámos ao director de fotografia Ernest Dickerson, ao director artístico Wynn Thomas e ao figurinista Ruth Carter: Queríamos que o público sentisse o calor. Queria que as pessoas suassem por ter visto este filme, mesmo que o pudessem ver com ar condicionado. Toda a gente usou as suas perícias de forma a transmitir esse sentimento de calor. Pintámos aquela parede vermelha. Em muitos planos, o nosso grande operador de câmara Ernest Dickerson punha um isqueiro de butano por baixo das lentes."

O mago Ernest Dickerson explicou o seu processo no mesmo ano ao The Guardian, contando que "Enquanto filmávamos School Daze, a segunda longa metragem de Spike Lee, ele disse-me que estava a escrever algo chamado Heatwave, que era como Do the Right Thing era conhecido no princípio. Ele quis que eu pensasse em como representar visualmente o calor, em como fazer o público sentir o dia mais quente do verão. A primeira coisa de que me lembrei foi o uso da cor. Fiz muita pesquisa sobre a psicologia dela e trabalhei com uma paleta controlada que basicamente se mantia no expectro quente – amarelos, vermelhos, tons de terra, âmbares – e tentei manter-me longe dos azuis e dos verdes, que têm um efeito de arrefecimento.

"O Spike e eu tínhamo-nos conhecido na NYU. Antes de começarmos um filme, tínhamos sessões de projecção de filmes, para ficarmos em sintonia, para encontrar o vocabulário que queríamos. Para isto, procurámos os ângulos inclinados em The Third Man, e depois a direcção de fotografia de Jack Cardiff, que trabalhou em Black Narcissus, A Matter of Life and Death e The Red Shoes. O uso da cor nesses filmes ainda me inspira.

"Eu sabia que o nosso maior desafio ia ser filmar durante oito semanas e fazê-las parecer um dia. Procurámos uma rua que fosse na direcção norte-sul. Como o sol viaja de este a oeste, um lado ficava sempre na sombra. Dessa forma, quando tínhamos que filmar em dias nublados, eu podia simplesmente fazer com que parecesse que estávamos do lado em sombra da rua. Isso salvou-nos mesmo, porque nas primeiras duas semanas tivemos muita chuva. Nalguns planos em que parece estar sol – pode-se mesmo ver chuva se se olhar com muita atenção.

"O filme não sai desse quarteirão, o que quer dizer que muitos dos actores estavam lá todos os dias. Seja onde for que se esteja, consegue-se ver sempre o fundo da rua, portanto o Ossie Davis [Da Mayor] tinha que estar sempre no seu alpendre. Além disso, dava sempre para ver os comerciantes coreanos do outro lado da rua pela janela da pizzaria do Sal, e por aí fora. Foi mesmo uma comunidade viva e verdadeira, por um bocado. Isso cria um laço muito especial. Acreditávamos todos no filme. As coisas aqueceram um bocado na cena do motim, mas era um óptimo elenco. Havia tantas pessoas que tinham entrado em School Daze e haviam de entrar noutros filmes de Spike Lee – portanto a companhia do reportório de Spike Lee estava em plena força.

"Nós não achávamos que estivéssemos a fazer algo controverso. Achávamos só que estávamos a fazer um filme que dizia algumas coisas sobre coisas que estavam mesmo a acontecer. Alguns críticos agouraram que o filme ia provocar motins pela América fora, mas nós nã acreditámos e tínhamos razão. Não chegou a acontecer nada. As coisas estão melhores, agora? Não tenho a certeza. Há muita gente que acredita numa América pós-racial agora que Barack Obama é presidente. Eu fico sempre chocado com o nível de desrespeito que tanta gente mostra para com ele. Sempre que ouço a frase, "Temos que trazer o nosso país de volta", fico irritado."

Geoff Andrew escreveu sobre o filme para a Time Out, notando que "Depois do tristemente mal-calculado School Daze, Spike Lee regressa à forma explêndida com uma peça de conjunto picante e enérgica passada em Brooklyn durante umas sufocantemente quentes 24 horas. O próprio Lee interpreta Mookie, homem de entregas de pizza para Sal (Aiello) e os seus dois filhos; embora egoistamente negligente para com a sua amante e criança hispânicas, Mookie, a maior parte das vezes é o Mr. Nice Guy, sempre pronto para conferir a sua influência calma à tempestade de insultos que voam entre os Pretos, Italianos, Coreanos e polícias brancos locais. Eventualmente, no entanto, o calor cobra a sua dívida, e desentendimentos mesquinhos transformam-se num motim de grande escala. Movendo-se sem esforço da comédia para o comentário social sério, extraindo excelentes interpretações de um grande elenco perfeitamente escolhido, e dando uso soberbo da música tanto para criar atmosfera como para comentar a acção, Lee maquina para ver ambos os lados de cada conflito sem cair na armadilha do sentimentalismo simplista. E o melhor de tudo, o filme -- estilizado e realista ao mesmo tempo - vibra sempre com a bravura pura e nervosa que vem de se viver a vida nas ruas. Afigura-se, soa, e parece certo: prova certa que a técnica virtuosa e a raiva justa de Lee são temperadas por verdadeira humanidade."

Até Terça!

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