domingo, 5 de março de 2017

50ª sessão: dia 7 de Março (Terça-Feira), às 21h30


Das ruas de Chinatown (que foi onde deixamos Stanley White em Year of the Dragon) para os campos da Sicília não vai um passo tão grande como se possa pensar. Michael Cimino, em The Sicilian (a nossa próxima sessão), levou para lá as mesmas questões e as mesmas lutas personificadas no Salvatore Giuliano idealista de Christopher Lambert, que vira a sua Sicília natal do avesso para a transformar em colónia americana durante o pós-guerra. A beleza das intenções e das promessas e a coragem e a resiliência em as cumprir vão chocar com a realidade e com as circunstâncias a cada passo do caminho, como vimos em Heaven's Gate e Year of the Dragon. Mas mais vale lutar e perder do que não lutar de todo, sonhar o inimaginável e tentar o impossível. A aventura Michael Cimino continua...

Para esta quinquagésima sessão, vamos ter uma apresentação em vídeo por alguém que conheceu Michael Cimino e tanto o defendeu nos anos oitenta, o crítico americano F. X. Feeney, um dos maiores admiradores de The Sicilian.

Feeney escreveu sobre o seu amigo em Julho do ano passado, por altura da sua morte, confessando que "Eu defendi-o na imprensa muito antes de nos conhecermos. Os filmes dele tocavam-me, simplesmente, como poucos o faziam. Isto tornou fácil a amizade, especialmente depois da morte do nossso amigo mútuo, Jerry Harvey, que através do seu canal pago de televisão, o Z Channel, não só salvou a versão do realizador de Heaven’s Gate como também fez depois pressão com sucesso para que The Sicilian (1987) fosse apresentado em vídeo na forma que Cimino pretendia. Se o Michael alguma vez sentiu alguma auto-comiseração – e houve longos momentos em que não tinha escolha; foram muitas as esperanças perfuradas, depois daqueles que provaram ser os últimos filmes dele, Desperate Hours (1990) e Sunchaser (1996) – ele assumiu toda a responsabilidade. Nunca culpou o sistema. Na verdade, não acho que ele acreditasse sequer que Hollywood tem “um sistema.” Via-o como um grande jogo, de risco duplicado e acesso livre, ao qual ele próprio se distinguiu até as probabilidades o apanharem. 

"Biskind tem direito à sua opinião de que os filmes de Cimino depois de Heaven’s Gate são “indistintos.” A minha contenda é que cada um deles constitui uma vitória sobre probabilidades cada vez mais íngremes. Year of the Dragon (1985) é uma obra particularmente masgistral do film noir tardio, produzida pela United Artists cinco anos depois de Cimino supostamente a ter destruído. Apesar de ser controversa, apesar de ter sido mal promovida em cidades afastadas de Nova Iorque ou Los Angeles, ainda acabou com lucro no final de 1985, o seu último sucesso comercial. A batalha dos bastidores que afligiu The Sicilian fez mais para prejudicar a sua carreira do que qualquer comportamento ao fazer Heaven’s Gate – isso, e resultados decepcionantes nas bilheteiras. 

"Algumas semanas antes da sua morte, Michael consultou-se num médico por causa duma pequena doença respiratória mas para além disso não apresentava sinais de pouca saúde. Da última vez que almocei com ele, a 19 de Junho, estava cheio de planos e de energia. No entanto, como ele era um homem intuitivo, ao olhar para trás tenho a certeza que ele tinha um vago pressentimento que a sua vida estava a chegar ao fim. No último ano da sua vida, tomou um cuidado deliberado para fazer as pazes com o máximo de pessoas possível, e nesse último dia comigo estava mais reflectivo do que alguma vez o tinha visto em relação aos seus primeiros anos de vida. Estava cheio de memórias divertidas centradas no perfeccionismo feroz do pai dele.

"Os amigos e os entes queridos não conseguiram comunicar com ele depois de 28 de Junho, e – quando a polícia entrou na casa dele depois de vários dias – o agente que o encontrou deitado na cama descreveu-o como “falecido pacificamente.” O coração dele tinha parado aparentemente sem traumas, durante o sono. Não houve funeral nem memoriais públicos depois disso, e ele não precisa de nenhum. Os monumentos dele estão no ecrã. 

"Nós perdemos de vista o que é importante quando avaliamos filmes – e julgamos os seus artesãos mais corajosos, especialmente Cimino – tão impiedosamente em termos de dinheiro. Sim, custam muito. Sim, precisamos que dêem lucro se queremos continuar a fazer filmes. Orson Welles, gozou muito maldosamente há tantos anos como Cimino tem agora, e por muitas das mesmas razões, chamou ao cinema “o estojo de tintas mais caro do mundo,” mas salientou de forma sagaz que qualquer um de nós podia fazer muito mais dinheiro em Wall Street ou em Silicon Valley, ou comprando e vendendo armas. Não fazemos filmes para ficarmos ricos – embora uns raros poucos de nós tenham sorte. Não: nós que levamos as nossas vidas no mundo do cinema, iremos fazê-lo mesmo que nunca fiquemos ricos porque, quando acertamos, quando conseguimos fazer um, dominamos a realidade em relação aos nossos sonhos. Era para isto que Cimino vivia. Sonhava e arriscava num arremesso de sucesso e falhanço que poucos ou nenhum de nós alguma vez vai conhecer. Poucos ou nenhum de nós conseguia sobreviver num limite tão celestial.

"Há um provérbio russo que pinta Deus como um comerciante todo-poderoso que nos diz: “Pega no que quiseres e paga.” 

"Michael percebeu essa regra, e honrou-a com todos os riscos da sua vida. Daqui para a frente, devíamos prestar-lhe homenagem."

Até Terça!

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