sábado, 3 de junho de 2017

63ª sessão: dia 6 de Junho (Terça-Feira), às 21h30


Com Snake Eyes, a nossa próxima sessão, talvez voltem os fantasmas dos anos sessenta e as paranóias, obsessões e conspirações dos anos setenta. Um assassínio ao mais alto nível é filmado com múltiplas câmaras e contado sob múltiplas perspectivas, sendo as peças reunidas por um dos vultos da Nova Hollywood, o Brian De Palma que disse que "o cinema mente a toda a hora... 24 vezes por segundo".

Dizia-se e ainda se diz que o realizador de Blow Out roubou tudo a Alfred Hitchcock, que é teórico demais, um fetichista das imagens, que não resiste a fazer um espectáculo dos seus movimentos de câmara e da sua inteligência, mas a verdade é que quando acerta (e ainda acertou umas vezes) o prazer de ver tudo isso em acção sobrepõe-se a quaisquer reservas e assegura-nos que é um original, realizador com uma das marcas mais distintivas do cinema actual.

Tiago Ribeiro, grande fã de De Palma e um dos críticos portugueses de que mais gostamos (e cujo trabalho pode ser lido no site À Pala de Walsh, partilhando também um blog com Daniel Pereira, O Sabor da Cerveja), enviou-nos um vídeo de apresentação para o filme.

Sobre a filmagem dos primeiros planos do filme, De Palma disse a Henri Béhar que foi "extremamente complicado. Não há rede, basicamente. Comete-se um erro, tem que se voltar ao princípio. É semelhante a um número de corda bamba: pode-se ficar muito animado a tentar levá-lo adiante. Também é muito vitalizante para os actores. Há uma espécie de agitação na interpretação deles que não se obtém quando se começa a filmar em planos gerais, depois planos aproximados, depois grandes planos...

"Passámos mesmo um bom bocado a fazer isso tudo. Mas digo-lhe, enquanto o estávamos a fazer, estávamos a olhar uns para os outros, e estávamos, tipo, "Whoa!" Eu trabalhei com a mesma equipa em vários filmes, fizemos aquele plano de abertura de Bonfire of the Vanities, fizemos muitos planos complicados. Mas tenta-se sempre elevar um bocadinho a parada. E ao fazê-lo, descobrem-se coisas que estão a acontecer mesmo à nossa frente ou só num canto do enquadramento e diz-se, "Porque é que não se tenta integrar aquilo nisto?" E fica-se animado ao fazê-lo. "Wow! Conseguimos levá-lo adiante?"

"No fim de contas, passa-se muito rápido, porque faz-se mesmo a coisa toda num só take. O estúdio telefonava: "Isso é óptimo, mas onde está a cobertura?" Não há cobertura. É isto. "Espeeera um minuto! Imagina que não funciona?" TEM que funcionar! Basicamente, filmámos as primeiras vinte e tal páginas do guião em menos de vinte minutos. Ensaiámo-las o dia todo, depois filmámos."

O nosso já conhecido Bruno Andrade escreveu sobre o filme para a revista Contracampo em 2007, confessando que "até àquela época - eu devia estar entre os 14 e 15 anos - os filmes de Brian De Palma não me tinham impressionado muito (com a notável excepção de Blow Out - Explosão, que ainda hoje considero a obra-prima do cineasta); eu não conseguia entender a razão por trás dos seus longos e lentos movimentos de câmara, e também não me conseguia envolver com as reviravoltas nas narrativas dos seus filmes ou com as atribulações dos seus personagens, a meu ver muito ingénuos ou muito preocupados com paranóias políticas ou dilemas éticos que não me pareciam de maior interesse (a adolescência geralmente revela-se ou bastante cínica ou apenas cretina, e acho que a minha tendeu bastante para a segunda alternativa). Mas a partir de Missão Impossível, um filme que me tinha impressionado bastante não apenas pelo carácter ambíguo de toda a sua segunda parte mas também por fugir do já mais que antiquado estereótipo dos filmes de espionagem (leia-se 007), passei a cogitar uma reavaliação não apenas dos talentos de sr. De Palma como encenador mas também de toda a sua obra, a tentar observar algumas características ou temas recorrentes; enfim, a tentar procurar uma amostra do talento exibido em Missão Impossível nos seus filmes anteriores. 

"Mas para que tal revisão acontecesse, foram necessários dois anos e a estreia de Os Olhos da Serpente. É realmente muito difícil explicar o efeito que o filme teve (e ainda tem) sobre mim, e quando o tento pensar não consigo escapar de algumas palavras perigosas como "revelação" ou "revolução". O que posso sinceramente dizer é que, pela primeira vez, um filme me fazia perceber que a imagem não detém qualquer coisa que possamos chamar simplesmente de verdade ou mentira; que o cinema trabalha justamente a linha ténue que existe entre as duas; e que é função do cineasta fazer-nos questionar tudo aquilo que se põe como verdade ou tudo aquilo que a imagem transforma em verdade, pois a sua área de trabalho não se limita às velhas noções de realidade ou ficção mas sim de artifícios e representações, de uma ruiva provocante que acaba por se revelar uma agente do governo (e por sinal loira, não ruiva), de uma femme fatale loira que descobriremos ser uma programadora de computadores (e por sinal morena, não loira), de um polícia corrupto que será transformado em herói nacional e de um herói nacional que descobriremos ser um oficial corrupto... De Palma subverte e desmonta, perverte e remonta toda e qualquer imagem que o espectador possa transformar num "apoio": jamais sabemos se o que vimos há pouco ou o que estamos a ver agora não passa de um grande engodo, de uma grande "ilusão" que não apenas oculta mas que também revela, a seu modo, muito do que parece ser o ideário cinematográfico de De Palma: a busca incessante por essa imagem ambígua que não corresponde nem a uma ideia de falso e muito menos a uma ideia de real, e que é no entanto o suporte deste confuso credo de De Palma em tudo aquilo que é cinema."

Até Terça!

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