quinta-feira, 29 de junho de 2017

Apocalypse Now Redux (2001) de Francis Ford Coppola



por José Lopes

Na “minha estreia” enquanto espectador e admirador de Francis Ford Coppola embarquei com os meus amigos do bairro da Madragoa e de lutas, às ordens do “Capitão” Martin Sheen, naquele barco norte-americano, em meio da selva da Indochina, à procura do Coronel Kurtz (Marlon Brando). Estávamos em 1980, em Lisboa, no Cinema Apolo 70, com som Dolby Stereo. A meio do filme, do alto dos meus 22 anos, esqueci que estava em Lisboa à noite – olhava à minha volta e só via a selva Cambojana. Cheio de medo, embora no escuro da sala de cinema, pensava com os meus botões nos dementes Khmers vermelhos das “Terras Sangrentas”. 

Antes dessa noite, já conhecia a novela de Joseph Conrad, “Heart of Darkness”, na tradução portuguesa. E, soube entretanto, que Orson Welles acalentou o desejo de transformar em filme “O Coração das Trevas”. 

Alguns anos depois, Francis Coppola e John Milius agarraram o búfalo pelos cornos e prepararam o argumento de Apocalypse Now, o grande filme norte-americano, “ex-aequo” com The Deer Hunter de Michael Cimino, que se debruça sobre a tragédia do Vietname. 

A tragédia da guerra do Vietname extravasou o universo americano e contaminou a memória dolorosa da guerra colonial portuguesa nas matas Africanas. Como objector de consciência e amante da paz, dei por mim fascinado e encantado pelo espectáculo feérico da guerra. A sequência “wagneriana”, com a “Valquíria” despejada das colunas de som instaladas nos helicópteros comandados pelo comandante Robert Duvall representava a faceta mais deslumbrante de Coppola, o realizador operático do cinema dos Estados unidos. Revejam a trilogia de The Godfather. Revejam um filme posterior a Apocalypse Now, Gardens of Stone (aí está, mais uma vez, a memória traumática do Vietname). A “obra de arte total” wagneriana está presente, sempre presente, nos vários “opus” de Francis Coppola. 

Falei de Robert Duvall, um dos grandes actores americanos de todos os tempos. Mas falo-vos também de Martin Sheen que, reza a história, sofreu uma crise cardíaca durante a rodagem de Apocalypse Now, nas Filipinas. Desde Badlands (1973) de Terrence Malick, que não me lembro de uma tão fulgurante interpretação de M. Sheen. E que dizer daquele fotógrafo “freak”, Dennis Hopper, meio filósofo, meio louco, meio mestre-de-cerimónias?.... e Frederic Forrest, que acaba decapitado, o futuro mecânico de automóveis de One From the Heart (1982) do nosso realizador desta noite? Deixo para o fim, a referência a Aurore Clémant, a actriz inesquecível em filmes de, entre outros, Chantal Akerman, Víctor Erice e Wim Wenders. É na sequência magistral, a casa da Indochina, na versão de Apocalypse Now Redux... 

Umas palavras sobre Marlon Brando, claro. Em 1980, eu já vira aquilo que tinha de ver com Brando: Viva Zapata, Um Eléctrico chamado Desejo, e tantos, tantos outros filmes, sem esquecer o “arco-da-abóboda” The Godfather I... Quando desembarquei com o capitão Martin Sheen, naquela curva do rio que nos conduziu ao Coronel Kurtz, fiquei completamente abismado. Porquê? Da penumbra saiu o corpo obeso de Marlon Brando lendo e recitando poesia do mais alto calibre... Caramba! Simplesmente esmagador. E, na reposição de Apocalypse Now, já entrados nos anos 1987, voltei, desta feita nos antigos Cinema Monumental, a ouvir o balbuciar do Coronel Kurtz “Horror! Horror!”. 

Terminando, recordo com imenso respeito e saudade, o nosso capitão-herói Fernando José Salgueiro Maia, o qual numa entrevista que segui na rádio, referiu o filme que hoje passa no Lucky Star – Cineclube de Braga, como o grande filme sobre a Guerra do Vietname e sobre, e cito, “o nosso Vietname”, isto é, a Guerra do Ultramar

Aos amigos João Palhares e José Oliveira, bem como aos fiéis e assíduos espectadores do Lucky Star, saúdo com votos de uma boa sessão cineclubista. 

25 de Junho de 2017
n'os Amigos do Minho,
em Lisboa

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